Síntese dos textos "A unidade da Igreja na visão de Igreja da Reforma" e "A Igreja Católico-Romana e o Ecumenismo", ambos escritos por Gottfried Brakemeier, como requisito da disciplina Fundamentos do Ecumenismo e dentro dos limites formais exigidos pela Escola Superior de Teologia - EST
O doloroso rompimento deu início a uma era confessional em que grupos de cristão que se colocaram fora do guarda-chuva da hierarquia jurisdicional afirmaram-se Igreja de Jesus. Como resultado da divisão produzida pela reforma, o mundo ocidental foi exposto à desconfortável pergunta sobre qual igreja possui “legitimidade e autenticidade apostólica”.
Nesse contexto, quando é apresentada à ideia de ecumenismo, a ICAR aponta como único caminho para a unidade o retorno dos excomungados ao seio da única Igreja de Cristo, submetendo-se à autoridade do primado de Roma. É, portanto, um ecumenismo de absorção que compreende o receber de volta aqueles que abjuraram a fé dos apóstolos como um gesto de generosidade. Pode-se discordar do entendimento ecumênico da ICAR, mas não é possível negar-lhe a coerência com a imagem que a Igreja de Roma faz de si mesma.
Voltando os olhos para as igrejas protestantes, o autor do texto apresenta, inicialmente, um ecumenismo de negação. Essa prática parece impregnada no modo de pensar protestante. Assim, não é necessário que as tradições sejam semelhantes; estruturas não podem assegurar unidade, o título de quem conduz a igreja não é questão de última relevância; a estrutura eclesiástica não é constitutiva da igreja; a unidade não se baseia numa “lei” ou numa ordem; e por fim o ecumenismo não pode satisfazer-se apenas com a unificação de instituições.
O resgate da posição ecumênica luterana se faz no entendimento de que a Confissão de Augsburgo reconhece a existência da Igreja onde quer que o evangelho seja pregado de maneira pura e os sacramentos sejam administrados corretamente. Afirma, portanto, a posição luterana como uma clara “abertura ecumênica”. No entanto, a afirmação de Augsburgo também poderia se vista como um ecumenismo de dissidência em que aqueles que romperam, ao sair, tentam resguardar sua própria autenticidade em face das divergências e põem em xeque as práticas sacramentais e o conteúdo da pregação daqueles que ficam. Os mesmos raciocínios poderiam ser aplicados à posição calvinista.
A despeito da inicial identidade por negação, o autor não se furta a apresentar uma agenda positiva em termos de confluência de propósitos (em contraponto à mera concordância em torno de termos semelhantes com interpretações diferentes); destaca a postura de humildade e autocrítica como base para a disposição ao aprendizado ecumênico; e apresenta uma cultura de unidade na diversidade e pluralidade dos carismas dentro das comunidades cristãs como base para o diálogo inter-eclesiástico. Essa agenda positiva recebeu “coroa de glória” no entendimento do autor de que o critério capaz de testar todo o resto é a unidade da igreja em torno da centralidade em Jesus.
Quanto à posição da ICAR no movimento ecumênico e sua postura atual, o autor do texto considera que vale a pena verificar a trajetória de suas posições no decorrer da história e o faz com brevidade e precisão.
Ciente de sua ininterrupta sucessão histórica, os cerca de 1500 anos em que a Igreja Romana manteve sua catolicidade estabeleceram uma visão em que o organismo vivo foi confundido com as estruturas institucionais. Portanto, após a ruptura estabelecida pela reforma, a posição da ICAR foi de que a unidade seria restabelecida apenas mediante o retorno dos excomungados. Em meados do século XIX e início do século XX essa posição se confirma no concílio Vaticano I e na encíclica “Mortalium animos”, com o fortalecimento da autoridade do bispo de Roma e a proibição de envolvimento nos processos ecumênicos.
Indícios de abertura são vistos no livro publicado (1937) por Yves Congar, que entre outras coisas referiu-se aos protestantes como “irmãos separados”, e no grupo de trabalhos ecumênicos criado por Lorenz Jaeger (ICAR) e Wilhelm Stählin (luterano) em 1946. Essa abertura evoluiu e encontrou sua expressão máxima no Concílio Vaticano II (1962), que teve como promotor e Papa João XXIII. A partir deste concílio a ICAR passou para uma nova fase quanto às reflexões e práticas a respeito do ecumenismo. A nova posição católica produziu diálogos internacionais com as Igrejas Ortodoxas, Anglicanas, Luteranas, reformadas e livres (nesta ordem) com elaboração de documentos comuns e forte entusiasmo quanto ao destino do ecumenismo.
No entanto, não demorou até que a disputa entre conservadores e progressistas dentro da ICAR produzisse freios e retrocessos. A ambiguidade de vários textos do Vaticano II se tornou o mote para uma interpretação conservadora do claro espírito ecumênico do concílio e o fechamento de portas que já estavam escancaradas.
Entre idas e vinda, hoje a ICAR parece divida quando o assunto é ecumenismo. Se por um lado sua liderança caminha na contramão do ecumenismo, haja vista a volta das indulgência em 2000, a preferência pela nomeação de clérigos conservadores, a resistência na assinatura de documentos conjuntos, e o retrocesso na abordagem de recentes encíclicas papais sobre assuntos em que a convergência já havia sido alcançada, por outro lado, muitos segmentos leigos continuam firmes em seu propósito de experimentar a “fraternidade eclesial na diversidade reconciliada”. Vale lembra que a igreja não é maior que seus líderes humanos, pois que é obra do Espírito de Deus que a conduzirá o destino que para ela tem preparado.