14 dezembro 2015

O papel do sofrimento na maturidade cristã


O papel do sofrimento na maturidade cristã
Comunidade Batista Mangabeira 4 - João Pessoa/PB 22/11/2015

É sempre um privilégio compartilhar a leitura e a reflexão das Escrituras, mas fazê-lo com os irmãos aqui na CBM é um privilégio duplo.

O pouco tempo que temos convivido aqui não é empecilho para testemunhar do amor que vocês têm por Jesus, irmãos, e do desejo pulsante de viver a vida de forma coerente com o chamado do evangelho de Jesus; essa vocação que alcança a todos nós que fomos alcançados pela graça salvadora de Cristo.

Minha gratidão ao Pr. Francisco por compartilhar, hoje comigo, a responsabilidade de ministrar a Palavra de Deus.

Irmãos, quero convidá-los a abrir suas Bíblias na carta escrita por Tiago, no primeiro capítulo. Depois da leitura vamos orar e refletir juntos sobre os versos de 1 a 8.

Tiago 1:1-8

1 Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos dispersas entre as nações: Saudações.

2 Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, 3 pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. 4 E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.

5 Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. 6 Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. 7 Não pense tal homem que receberá coisa alguma do Senhor; 8 é alguém que tem mente dividida e é instável em tudo o que faz.

1 Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos dispersas entre as nações: Saudações.

Durante o ministério de Jesus sua família (José, Maria e seus irmãos) viveu um certo afastamento dele, talvez constrangidos diante da comunidade. A questão é que Jesus não tinha exatamente um comportamento padrão. O filho mais velho do casal deixou a promissora profissão de carpinteiro e tornou-se um pregador itinerante (tido por muitos como mais um milagreiro), e por onde andava fazia perguntas incômodas provocando as pessoas sobre a forma como elas viviam a fé em Deus.

A maioria dos estudiosos concorda que o Tiago autor desta esta carta era um dos irmãos de Jesus, mas, como o resto da família, não acompanhou de perto o ministério do irmão. Ocorre que depois da ressurreição de Jesus, ele rendeu-se ao evangelho e tornou-se naturalmente um dos líderes da igreja em Jerusalém.

Há muito pouco sobre Tiago nas Escrituras, mas a tradição cristã afirma que ele tinha o apelido de “Joelho de Camelo”, por causa dos calos grossos que se formaram depois muitos anos de oração constante.

Nesta carta (45 e 50 d.C), ele, que era um homem de oração, procura orientar os judeus seguidores de Jesus que estavam espalhados pelo mundo sobre como aplicar as boas novas do evangelho à vida. É, portanto, uma carta aberta, sem um destinatário único. A igreja de Jesus tem preservado estes escritos como inspirados por Deus para orientação do seu povo.

2 Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, 3 pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. 4 E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.

Quando leio essa orientação de Tiago e comparo com as orações que se fazem em nossas igrejas hoje, sou levado a afirmar que estamos vivendo um outro evangelho.

·        Grande parte de nossas orações são o desejo de livrar as pessoas que amamos de sofrimentos e aflições. Pedimos a Deus que intervenha de forma sobrenatural e faça parar aquela situação ruim.

·        Outro aspecto em relação a isso é que em muitas igrejas a aflição de um irmão ou de uma família da igreja é motivo até de comentários sobre a fidelidade deles a Deus. Como os amigos de Jó, ficamos com uma pulga atrás da orelha: alguma coisa errada ele deve ter feito!

·        Na maior parte da cultura evangélica de nosso país não há nada de bom no sofrimento. Sofrer é sempre um mal sinal.

Essa teologia tão comum em nossos dias ensina que um dos motivos pelo quais vale a pena ser amigo de Deus é essa “apólice de seguro” contra a dor, o sofrimento e a aflição a que pretensamente temos direito pela fé.

Parece que Tiago pensava diferente. Ele nos ensina que as lutas e aflições devem ser consideradas “motivo de grande alegria”. Isso pode parecer estranho para uma cultura que evita todo tipo de dor ou desconforto. Ao contrário de muitos que veem as lutas e aflições da vida como sinais de pecado ou de punição da parte de Deus, Tiago as chama de “provação”.

Então meus irmãos, penso que precisamos rever o modo como temos lidado com as lutas e aflições da vida. Uma mudança importante é compreender que o sofrimento não é necessariamente um sinal de pecado na vida do crente, nem tampouco é uma punição de Deus. Em vez disso, as aflições da vida, segundo Tiago, têm um aspecto bastante positivo e devem ser consideradas “motivo de grande alegria”.

Bom, se pararmos aqui poderemos ser acusados por alguns de masoquistas, isto é, pessoas que sentem prazer no sofrimento pelo sofrimento. Então, precisamos seguir o raciocínio de Tiago para que fiquem bem claras as razões pelas quais as aflições da vida devem ser recebidas como se fossem presentes dados por Deus.

Uma das ideias que estão presentes na cada de Tiago é que a fé não é mero assentimento intelectual. Fé não é apenas concordar com algo. Fé é uma rendição e precisa ser experimentada em situações reais.

Neste primeiro capítulo ele esclarece que as aflições são exatamente as oportunidades que temos para colocar nossa fé na estrada da vida, afim de que seja exercitada e se fortaleça. Tiago afirma que se seguirmos esse caminho a perseverança será um fruto saboroso em nossas vidas.

Perseverança. Muitos de nós desejamos ser perseverantes, achamos bonito aqueles que não desistem; mas poucos se dispõem a trilhar o caminho que leva à perseverança.

Os pregadores da prosperidade e da confissão positiva desafiam as pessoas a não aceitar o sofrimento. Ao rejeitar a dor eles desprezam a ideia de perseverança em meio às lutas da vida. Ao invés disso, o evangelho de Jesus nas palavras de Tiago ressalta a perseverança e nos convoca a encarar o sofrimento e a aflições com fé.

Alguns se sentem desafiados pela pregação da prosperidade e decidem dizer um não ao sofrimento. Mas o desafio que realmente se parece com a fé dos apóstolos é o de dizer sim às aflições da vida, confiando que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.

Uma pergunta é necessária para nos apropriarmos de mais uma parte do ensino de Tiago sobre o papel das aflições na vida dos cristãos: Já aprendemos que enfrentar os problemas com fé nos tornar perseverantes. Esse é um aprendizado desafiador. Mas qual a vantagem de nos tornarmos perseverantes?

A resposta que recebemos de Tiago é que nos momentos em que nossa fé é exercitada nas aflições pelas quais passamos, e aprendemos a perseverar, nós nos tornamos pessoas mais plenas em nossa humanidade: nas palavras dele nos tornamos crentes “maduros e íntegros”.

Veja o que está acontecendo em nossos dias, irmãos, essa teologia que ensinas às pessoas que as aflições devem ser rejeitadas, e o sofrimento deve ser banido da vida dos cristãos, acaba negando a esses mesmos cristãos a oportunidade de exercitar a fé, amadurecer e se tornar tudo aquilo que Deus espera de seus filhos. O resultado são igrejas cheias de meninos na fé, inconstantes e inseguros, levados por todo vento de doutrina

O sofrimento e a dor não são agradáveis. Não há prazer em sofrer. Mas eles podem ser caminhos para aprendermos a confiar em Deus, se os recebermos como instrumentos da pedagogia divina.

Talvez você tenha passado tanto tempo fugindo das aflições que nem saiba direito como é essa coisa de se alegrar com elas. Talvez você nunca tenha aprendido a olhar para a dor e o sofrimento como parte da pedagogia de Deus para nos ensinar sobre confiança. “Como eu faço? ”, você pode perguntar. O desafio de aprender em meio às aflições é grande, mas você não está só.

Muitos irmãos, no passado e em nossos dias, têm trilhado esse árduo e proveitoso caminho. Há muitos livros escritos sobre isso e muitos testemunhos do poder sustentador de Deus. Você pode depois falar com o Pr. Francisco e pedir sugestões de leituras edificantes para enfrentar os dias de aflição e sofrimento. Olhe para a vida e a experiência desses irmãos como modelos que podem nortear sua própria caminhada.

No entanto, meus irmãos, apropriando-me mesma expressão usada pelo Pr. Francisco em um dos seus últimos textos: não podemos terceirizar a nossa fé. É importante e necessário olharmos a caminhadas dos irmãos que trilharam o caminho do amadurecimento como modelos, mas isso não substitui nossa própria caminhada.

Há muitos irmãos que tentam se alimentar espiritualmente apenas admirando a vida dos outros. Vivem em busca de um testemunho poderoso, são caçadores de conferências e encontros, procuram demonstrações de poder na vida dos outros, desejam uma palavra forte de algum pregador que transforme definitivamente suas vidas. Essas pessoas estão correndo atrás do vento.

Entenda isso, meu irmão, o seu crescimento espiritual não pode ser colocado na conta de outra pessoa. Cada um de nós precisa assumir a responsabilidade sobre nossa caminhada com Cristo.

(Existe uma obra muito conhecida, mas pouco lida, escrita no século XVII por John Bunyan, que fala sobre essa caminhada e suas aflições. O Peregrino é a história intrigante de Cristão rumo à Cidade Celestial. Através de muitas alegorias e simbolismos, é possível acompanhar as agruras que fazem parte da vida de todos que seguem a Jesus.)

Essa busca por sabedoria e essa convicção da responsabilidade que cada um tem a respeito de sua caminhada com Deus nos levar aos versos seguintes do nosso texto.

5 Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. 6 Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. 7 Não pense tal homem que receberá coisa alguma do Senhor; 8 é alguém que tem mente dividida e é instável em tudo o que faz.

O que fala Tiago sobre a responsabilidade que temos com nosso próprio amadurecimento na fé? Ele diz que não é demérito para ninguém se sentir inseguro sobre como enfrentar as aflições da vida. Ele afirma que se faltar sabedoria, não desista! Mesmo sentindo despreparado e inseguro, não desista! O jogo não está perdido!

Por meio de Jesus Cristo, você tem acesso àquele que é a fonte inesgotável de sabedoria e poder. Tiago fala isso de forma singela e confiada: “peça a Deus!”.

Vejam só, irmãos, é assim que as Escrituras fazem. O texto sagrado nos empurra o tempo todo para os braços do Pai, para desenvolvermos com Ele um relacionamento de amor e confiança. Então, o que fazer quando as aflições da vida nos consomem e nos sentimos incapazes de lidar com elas? Corra para os braços do Pai e peça a Ele que o ensine!

Quando não houver respostas fáceis, não desista! Peça À Deus a sabedoria para viver, Tiago afirma que Deus não raciona sabedoria, ao contrário, ele dá livremente, de boa vontade a quem pedir.

A teologia da prosperidade e a confissão positiva afirmam que devemos exigir de Deus a suspensão imediata dos sofrimentos; eles nos encorajam a extorquir Deus mediante ameaças (como se isso fosse possível). Mas as boas novas do evangelho de Jesus pelas palavras de Tiago nos afirmam que não precisamos (nem podemos) colocar Deus contra a parede. O Senhor está pronto para dar livremente e de boa vontade aquilo de que realmente precisamos: sabedoria para viver a vida e enfrentar suas aflições e sofrimentos.

A Aproximação
6 Peça-a, porém, com fé, sem duvidar,

Para concluir nossa reflexão sobre o papel das aflições no amadurecimento de nossa fé, devemos pensar não apenas sobre a necessidade de nos aproximarmos de Deus para receber dele sabedoria afim de viver a vida. É importante também olhar para a forma dessa aproximação.

Algumas vezes nos aproximamos de Deus um pouco desconfiados. Temos dúvidas sobre o caráter dele. Por exemplo, tem gente que não ora de jeito algum dizendo: “Senhor, faça sua vontade em minha vida!”. E se a vontade dele foi me enviar como missionário na Síria? E se ele não quiser que eu case? E se não for vontade dele que eu passe no concurso?

Quando pensamos assim é por que ainda temos dúvidas sobre o caráter de Deus, isto é, será que Ele realmente fará o que é melhor para minha vida? Essa aproximação temerosa precisa dar lugar uma atitude de confiança.

Mas como confiar? Só tem um jeito de confiar. Confiando. Confiar é correr o risco. Como os grandes expoentes da fé aprenderam a confiar? Experimentando se aquilo que Deus prometia era verdade. Eles atravessaram o lamaçal pisando sobre as pedras que o Senhor disse para pisar.

É essa a forma de aproximação que Tiago afirma que devemos ter ao pedirmos a Deus sabedoria para enfrentar as aflições da vida.

6 Peça-a, porém, com fé, sem duvidar,

A nossa fé pode e deve encontrar fundamento na experiência dos homens e mulheres cujas histórias foram registradas nas Escrituras, e isso é muito bom. Também podemos trazer à memória os testemunhos de homens e mulheres de Deus de nosso próprio tempo como um encorajamento para nos aproximarmos dele com confiança.

Mas é no amor demonstrado na cruz que deve estar o fundamento da nossa confiança no caráter de Deus.

31 Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? 32 Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas? (Rm 8.32)

8 Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. (Rm 5.8)

16 Assim sendo, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade. (Hb 4.16)

Conclusão

Tiago escreveu esta carta com o propósito de orientar os irmãos a viverem a fé que diziam ter em Jesus de maneira prática. Isso inclui como lidar com as aflições da vida, que alcançam a todos nós. O que fazer?

Os pregadores da prosperidade e da confissão positiva ensinam que não devemos aceitar o sofrimento e as aflições da vida. Dizem eles que devemos enxotar a qualquer coisa que se pareça com sofrimento para longe de nossas vidas, porque não fomos criados para sofrer e tempo de Deus um seguro contra o sofrimento, que é sempre obra do Inimigo em nossas vidas.

Mas o evangelho fala bem ao contrário disso, dizendo que as aflições fazem parte da vida humana. Afirma também que devemos nos alegrar, mesmo em momentos de aflição, porque eles são o caminho para desenvolvermos nossa confiança no Senhor e nos tornarmos perseverantes na fé em Jesus.

E não há problema se nos sentirmos inseguros, sem saber como enfrentar as aflições da vida com confiança. Temos livre acesso a Deus por meio de Jesus e podemos pedir que Ele nos socorra com a sabedoria de que precisamos.

Precisamos apenas nos lembra de que Deus é, do seu grande amor por nós demonstrado na cruz entregando o próprio filho em nosso lugar, para que a nossa confiança nele se renove e nos aproximemos do trono da graça como filhos amado.


Que o Senhor complete em nossas vidas a boa obra que um dia começou em nós!