Síntese comentada das ideias principais do artigo "Demônios, maus espíritos e a prática exorcista de Jesus segundo os evangelhos", escrito por Uwe Wegner in Estudos Teológicos, v. 43, n. 2, p. 82-103, 2003.
Como Jesus, segundo os evangelhos, concebia os exorcismos e os diferenciava das terapias e das transgressões morais?
A partir dos relatos dos evangelhos pode-se concluir que Jesus cria na existência do Diabo como um ser que se opõe (mediante tentação, sedução e indução) ao domínio do Reino de Deus desde tempos imemoriais e em demônios como seres sem corpo físico, capazes (mas não exclusivamente responsáveis) de infligir doenças de ordens física e psíquica mediante possessão.
Há elementos nos exorcismos relacionados nos evangelhos suficientes para compreender que, embora não considerasse a hipótese de que o Diabo fosse possuir uma pessoa, Jesus ligava o resultado das ações demoníacas aos propósitos do “príncipe deste mundo” – roubar, matar e destruir.
A brevidade dos relatos sobre os exorcismos e a pouca elaboração de Jesus sobre possessões e libertações não permitem uma resposta conclusiva sobre como Ele diferenciava exorcismo, terapia e transgressão moral. No entanto, está claro nos evangelhos que sua atitude não foi a mesma diante de todas as situações que confrontam o Reino de Deus e seus valores.
A hipótese de que o exorcismo fosse meramente uma interpretação equivocada de Jesus, provocada pelo entendimento limitado da época quanto a algumas doenças físicas e psíquicas, encontra resistência em outros elementos comuns à maioria dos casos relatados nos evangelhos, quais sejam: (a) a perda da identidade pelo possesso uma vez subjugado pelo demônio, (b) a situação de oposição aberta entre o demônio e o exorcista e (c) a violência destrutiva que cerca a situação.
De toda forma, Jesus parece compreender exorcismos, curas e o enfrentamento das transgressões morais como provas da presença e do avanço do Reino de Deus, mediante um claro entendimento de que essas ações restauram a integridade do ser humano de forma holística.
Como você avalia as diferentes hipóteses apresentadas sobre a compreensão dos demônios em Jesus?
Percebo que as três hipóteses tentam estabelecer uma relação entre a prática e o pensamento de Jesus sobre o assunto e o contexto cultural, religioso e filosófico em que ele viveu e por isso consideram Jesus tão somente a partir de sua humanidade.
Primeira: a hipótese pressupõe que a crença em demônios como “espíritos maléficos e contrários a Deus” seja resultado da limitada compreensão da época em relação às doenças do corpo e da mente humana. Apresenta Jesus inserido em um estágio primitivo de cultura e por isso limitado quanto ao seu diagnóstico das “possessões”, ainda que coerente em relação à sua prática exorcista.
A existência de correntes filosóficas e religiosas que se mostravam céticas tanto em relação à existência de certas dimensões espirituais bem como sobre a relação das doenças com esse “mundo espiritual”, deixa claro que Jesus não estava aprisionado sob uma obrigação cultural de crer em demônios, nem de associá-los às doenças existentes.
Parece, então, que o pressuposto (e a hipótese) não se sustenta, o que é reforçado pelo autor do artigo ao apresentar a convivência pacífica dos avanços tecnológicos atuais com a crença em uma dimensão espiritual distinta da que vivemos.
Segunda: apresenta Jesus acima e além de sua cultura. Portanto ele não acreditaria em demônios, mas utilizava-se da linguagem corriqueira de seus contemporâneos para oferecer algum tipo de libertação.
Entendo que, ao fazer-se gente, o Filho se autolimitou. Jesus passou por aprendizagem e aquisição de cultura como todos os seres humanos passam. Não é razoável, então, supor que ele estava fora e acima de sua cultura. Vê-lo limitado por certas circunstâncias de sua existência humana não o diminui, mas, ao contrário, ratifica a beleza da encarnação do verbo.
Além disso, a hipótese parece contraditória em si mesma, pois não haveria libertação a ser oferecida se ele não cria na existência e ação de demônios. O que se poderia afirmar, então, dos relatos de exorcismo é que Jesus estaria retendo o seu conhecimento da verdade e mantendo seus contemporâneos aprisionados por crendices; uma postura incoerente com sua biografia.
Terceira: Jesus é apresentado como tendo passado por uma evolução em seu pensamento. Ele teria partido da crença em demônios e chegado ao entendimento de que a raiz dos males está na verdade no coração humano.
Não descarto a possibilidade de que, no decorrer de sua vida como ser humano, Jesus tenha ampliado seu entendimento a respeito da natureza humana e da realidade que nos cercar. Entendo que até o contexto de sua própria missão possa ter sido clareada pelo Espírito no decorrer de sua vida (ainda que os relatos dos evangelhos não apresentem tais evoluções).
Quanto ao assunto em tela, não vejo indícios de mudança de posição, nem tampouco encontro vozes entre seus discípulos, vozes posteriores, oferecendo o “último entendimento de Jesus” sobre este assunto.
Como você avalia a prática exorcista em igrejas de cunho neopentecostal à luz do posicionamento de Jesus?
Se por um lado, considero bom que essa dimensão dos sinais do Reino não esteja esquecida, por outro lado acho que o exorcismo tornou-se peça publicitária para projetar pessoas e instituições sem compromisso com o Reino. Ao contrário do que relatam os evangelhos, os exorcismos nessas igrejas me parecem repetitivos, repletos de mantras mágicos e desrespeitosos para com o ser humano.
Recentemente assisti a um vídeo em que Edir Macedo da IURD “entrevista” um demônio que afirmava atuar na igreja concorrente, a Mundial. O espetáculo durou vários minutos, enquanto o bispo “obrigava” o demônio a revelar as táticas que usava na concorrente falando através de uma mulher com as mãos postas para trás, como se estivesse amarrada. Em nada isso se parece com a palavra simples de Jesus: saia!
Para Jesus, o exorcismo era devolução da vida plena planejada por Deus; em muitas igrejas neopentecostais, infelizmente, ele transformou-se em prisão da alma através do medo e da dominação.