Por Aristarco Coelho
Fala-se da leitura como uma ferramenta indispensável para a formação de pessoas capacitadas a articular suas idéias e apresentar seus pensamentos de maneira compreensível. E é isso mesmo! A leitura abre canais que tornam possível o que seria praticamente impossível sem ela: conhecer o pensamento, ouvir os lamentos de tristeza e os gritos de alegria de pessoas que jamais encontraríamos de outra forma.
Ao falar de leitura é importante resgatar a palavra encontro. Ler é encontrar-se com alguém. A leitura transformadora é o resulta de encontros especiais, calorosos debates de idéias, cálidos sussurros de confissão e até mesmo de encontros frios e lineares.
Não é diferente em relação à leitura da Bíblia. Considerá-la como um encontro, um diálogo, deixa-nos mais dispostos a nos relacionarmos com as pessoas por trás do texto. Assim, João, Lídia, Pedro, Amós, Noé e Rute mudam de classificação, deixam de ser figuras intocáveis e passam a se tornar gente de carne e osso que amou, odiou, sofreu, festejou e viveu a vida com lutas pessoais idênticas às nossas. Assim, ao me encontrar com eles na leitura da Bíblia, revivo suas dúvidas e certezas e encontro neles a identificação que me encoraja a permanecer no Caminho.
Um dos principais equívocos na promoção da leitura é tentar impô-la como uma espécie de poção mágica, como se ela fosse capaz de transformar instantaneamente. A leitura é transformadora quando se torna um hábito, e os hábitos são processos que levam toda uma vida para se consolidar. Quanto mais cedo a leitura faz parte da vida, melhor; quanto mais se lê, maior facilidade para seguir lendo; quanto mais aqueles em volta de nós gostam de ler, maior o nosso gosto pela leitura; enfim, quanto mais a leitura toca na realidade vida, mais ela se torna indispensável para nós.
Duas posições se apresentam quanto ao hábito da leitura da Bíblia. Por um lado alguns consideram que a formação do hábito não carece de prazer ou satisfação na leitura. Isto é, leia, continue lendo, permaneça lendo que em algum momento isso vai transformar-se em algo que lhe agrada. Não resta duvida que algumas das atividades das quais nem gostamos tornam-se habituais pela prática persistente. Esse caminho é razoável e tem sido seguido por muitas pessoas.
Mas, outras vezes os hábitos se formam a partir da satisfação em fazer algo que atende nossas necessidades. Não acho que devemos optar por um dos dois caminhos e descartar o outro, mas o hábito que se forma pelo prazer da necessidade atendida leva consigo algo muito poderoso.
Isso torna compreensiva a força da literatura de auto-ajuda. As respostas rápidas, simples e focadas nas necessidades são acolhidas com satisfação. No entanto, a leitura pode ser fazer bem mais que dar respostas. Ela pode nos ajudar a fazer perguntas capazes de sondar as entranhas da alma humana.
A dificuldade de trilhar esse caminho é que a leitura concorre com meios de comunicação que oferecem bem menos resistência à mente e que atrofiam a capacidade de expressão. Assim, alguns preferem ouvir um CD ou ver um DVD a ler um livro, inclusive sendo ele a Bíblia. A música e a imagem “passam direto” e nos enchem a pança de tanto doce que a fome de uma refeição mais elaborada desaparece. Nada contra um bom CD ou um DVD com bom filme. Eles também podem ser pontos de partida para a reflexão, mas a leitura é a mestra na arte de instigar o pensamento humano e deixar marcada a alma.
Segundo Eugene Peterson, o grande desafio na leitura bíblica é ouvir a Bíblia diz. Claro que não é caso de comprar um CD com o texto sagrado, mas de “ouvir” o significado que permeou o registro da palavra de Deus em cada acontecimento. Resgatar a poesia, a prosa, o humor, os épicos, as cartas e toda a diversidade literária da Bíblia pode nos ajudar a ouvi-la melhor. Ler mecanicamente cansa e deixa escapar importantes nuances do texto.
No entanto, parar e "ouvir" o que a Bíblia diz pede um estilo de vida diferente do que a maioria de nós tem. Parar e ouvir pede uma vida despida de complexidade e menos veloz. Isso nos coloca rapidamente em confronto com nosso modo urbano de viver, no qual a expressões como “meditar na sua lei de dia e de noite” parecem vazias de significado prático.
É fácil concordar com essa impossibilidade prática, principalmente se todos os canais da vida já foram ocupados. Por isso, parar e avaliar nosso estilo de vida é indispensável para que o hábito da leitura da bíblia encontre espaço e se estabeleça como uma resposta aos nossos anseios de significado para a vida. O desafio está lançado.
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