17 junho 2012

Ecumenismo


Síntese das principais ideias dos textos "Ecumenismo: Definição, significado, abrangência" e "Unidade e pluralidade da Igreja conforme o Novo Testamento", ambos escritos por Gottfried Brakemeier, como requisito da disciplina Fundamentos do Ecumenismo e dentro dos limites formais exigidos pela Escola Superior de Teologia - EST.

A partir do texto “Ecumenismo: definição, significado, abrangência” apresente estas três facetas do ecumenismo: dimensão da teologia, disciplina e movimento.

No decorrer da história, o termo grego de onde provém ecumenismo (ecumene - mesma origem etimológica de outros que se referem ao mundo que habitamos tais como ecologia, economia e ecossistema) produziu abordagens diversas com enfoque geográfico, político, cultural e por fim eclesiológico – quando se consolidou como forma de pensar que tem o propósito de zelar pela unidade do corpo de Cristo.

O ecumenismo, percebido como esforço por recuperação da unidade visível da Igreja, surge da constatação da perda da universalidade de que a Igreja gozava nos primeiros séculos, quando era efetivamente una, ainda que diversa. Portanto, o ecumenismo milita a favor da união do povo que se chama cristão para o cumprimento de uma missão que lhe é comum.

Na fala do Conselho Mundial de Igrejas, no entanto, o ecumenismo não precisa restringir-se à promoção da unidade da igreja, mas deve abranger a unidade de toda a humanidade. Assim, a unidade da igreja teria como objetivo último mais que o congraçamento da igreja; objetivaria congregar toda a criação de Deus. Não faltam opositores a este pensamento entre protestantes e católicos que defendem uma agenda restrita à recuperação da unidade cristã.

Não há como negar que a história milenar da Igreja revela divisões, facções, fracionamentos e separações que desde o começo existem, mesmo contra o desejo de Jesus de “uma igreja”. É neste ambiente de rompimentos que o ecumenismo se propõe a trabalhar em prol da unidade. Para isso, é fundamental reconhecer que a unidade da igreja é anterior às divisões que hoje se apresentam. Por outro lado, é necessário compreender que unidade não é sinônimo de uniformidade. A igreja sempre se apresentou diversa e multiforme (como a graça de Deus). Ecumenismo, portanto, trata de “reconciliar, conjugar, criar comunhão...”, não de homogeneizar.

Mesmo uma causa justa e digna, o ecumenismo enfrenta resistência de diversos flancos e desperta muitos temores: não seria uma ameaça à identidade de fé enfraquecendo as percepções particulares? Não resultaria em sincretismo religioso com a mistura de credos conflitantes? A verdade não seria relativizada a partir das concessões? A resposta é “não” para todas as perguntas, uma vez que o ecumenismo pretende tão somente mediar o diálogo apontando para o evangelho de Cristo como recurso comum; “não renuncia à verdade, não nivela as diferenças nem as ignora”.

Faz-se necessário também reconhecer que o conflito presumido entre ação ecumênica e missionária só se justifica a partir de uma perspectiva de concorrência entre igrejas e de ações meramente proselitistas. Ecumenismo, por outro lado, se preocupa em vencer a rivalidade em prol da missão comum.

Além de se apresentar como o movimento descrito até agora, o ecumenismo também pode ser visto como uma dimensão da teologia a partir da perspectiva de interação entre as diversas tradições e épocas do pensamento teológico de maneira a enriquecer todo o fazer teológico. Além disso, é razoável vê-la também com uma disciplina que se pretende objeto de estudo, divulgação e reflexão.

O segundo texto fala de uma “pluralidade concêntrica” como forma de entender e relacionar unidade e pluralidade na tradição cristã. Apresente os argumentos do texto a favor desta compreensão.

O Novo Testamento é extenso na apresentação da unidade como base da existência da Igreja de Jesus Cristo: um só rebanho, um único pastor, apenas um Corpo, um só Espírito, um único Senhor, uma só fé, um batismo, um só Deus e pai de todos. Por outro lado, a história revela que temos resistido às tentativas de uniformizar a diversidade que marcou a igreja desde o começo.

Os “fatores diversificantes” passam pelo fato de que a fé cristã começou com um grupo de pessoas (o que caracteriza pluralidade), pela realidade de a igreja ter sido gerada em ambientes culturais diversos (fonte de tensões em torno da vida de comunhão) e pela individualidade dos testemunhos produzidos por pessoal de diferentes classes sociais, gênero, etnia e historia pessoal. Portanto, não há como sustentar uma igreja primitiva homogênea.

Unidade e pluralidade fazem parte da natureza da igreja e se conciliam apenas porque o Novo Testamente apresenta a pessoa de Jesus como o “eixo gravitacional” em torno do qual a igreja, com sua pluralidade, gira. Assim, pode-se falar de uma pluralidade com um único centro, uma “pluralidade concêntrica”, entendimento que priva o ecumenismo de atuar contra as variadas expressões da fé cristã.

É senso comum que há virtude e riqueza na diversidade, mas tão somente quando na pluralidade se estabelecem acordos de cooperação mútua. A diversidade que agride e trabalha para exterminar as diferenças não é legítima e abala a unidade da igreja. No entanto, quando o centro comum é Cristo podemos recuperar o entendimento dos primeiros cristãos de que Ele aproximou “judeus e gregos” e os fez família de Deus; tarefa almejada pela perspectiva ecumênica.

Ressalte-se, no entanto, que pluralidade concêntrica não significa tolerância a heresias (descaracterização e perversão da fé). O Novo Testamento apresenta-se seguro de que existem pilares de verdade que não podem ser movidos sob a pena de levar a baixo todo o edifício da fé. O ecumenismo, portanto, carece de compromisso com essas verdades e não pode ser encontrado cooperando com a “confusão religiosa”. Por outro lado, é preciso amor para que o apego à verdade não se torne tirânico. Se a defesa da fé é excludente, o amor é inclusivo. E cabe ao ecumenismo a tarefa de amalgamar os dois, como fez Jesus, de maneira que a unidade da igreja seja percebida pelos de dentro e pelos de fora. Exemplos desse exercício não faltam no novo testamento, o que nos mostra que a tarefa não é impossível.

15 junho 2012

Sola fide - um princípio anti-judaico?


Síntese comentada com base no texto "Sola fide - um princípio anti-judaico?", escrito por Gottfried Brakemeier, professor na Escola Superior de Teologia, e publicado em Estudos Teológicos 2009 Vol 49 N° 1. 

Comente: "Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê." (Rm 10.4).

Analisada a palavra “fim” sob a compreensão de finalização ou de finalidade, o apóstolo, em sua afirmativa, contrapõe seu novo entendimento sobre salvação, adquirido a partir de Cristo, ao entendimento aprendido de seus mestres no judaísmo. Ao colocar Cristo como o ponto final no entendimento da lei como caminho de salvação, o apóstolo corrobora e dá corpo ao pensamento do próprio Jesus que se afirmou ele mesmo o caminho para Deus.

Não que a lei tenha sido abolida, mas claramente foi redefinida em sua normatividade: deixa de ser tratada como um fim em si mesmo e se legitima apenas se apoiadora da prática do amor; perde a centralidade na vida do fiel, que reconhece no amor a “regra” maior; perde também sua autonomia podendo ser revista se o critério do amor não for nela encontrado.

Paulo reflete o pensamento que Cristo expressou sobre diversos aspectos da lei (como o sábado) afirmando indiretamente que o homem não foi criado para lei e sim vice-e-versa. Desta forma, se a vontade de Deus não está circunscrita à Torá, é razoável concluir que outras nações também tenham sua dose de percepção a respeito dessa vontade – tese que o apóstolo advoga com clareza.

Por outro lado, o apóstolo parece apontar para uma redefinição também da função da lei. Em contraponto à ideia de que a lei seria um instrumento para manter o povo ao alcance da promessa abraâmica (nomismo da aliança, segundo Sanders), Paulo apresenta a lei como uma poderosa lupa a ampliar e revelar nossa incapacidade de atender ao ideal divino para um relacionamento com Ele e com o próximo. Assim, a lei deixa de ser instrumento de salvação para cumpri a função de desvelar nossa profunda necessidade de salvação – concedida, na verdade, por graça (como a promessa feita a Abraão); não pelo cumprimento da lei, mas mediante a fé.

As investidas de Paulo, aparentemente contra a lei, na verdade são contra a confiança na lei. Ao expor o zelo sem entendimento de seus compatriotas (e a arrogância dos gentios), ele não poupa o crasso engano de quem se apresenta cheio de confiança na capacidade de agradar a Deus por si mesmo e certo de que a lei (no caso dos judeus) será seu apoio nessa empreitada.

Desta forma, é aquele que crer confiadamente no amor gracioso de Deus encarnado em Cristo que é por Ele justificado; Ele é o final das fracassadas tentativas de justiça própria pelo cumprimento da lei e ao mesmo tempo o destino final para onde a lei nos conduz a fim de sermos agraciados pelo amor do Pai.

Comente: "O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata, mas o Espírito vivifica." (2 Co 3.6).

A perspectiva da existência de duas alianças faz parte apenas do ponto de vista cristão, que está apoiado no reconhecimento de que a igreja foi construída sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas; afinal, Cristo é o cumprimento da promessa feita a Abraão e anunciada pelos profetas.

Ainda que o cristianismo não reconheça na lei (nomos) a qualidade de meio de salvação, admite a importância da aliança anterior ao fazer clara distinção entre a lei e a Torá, que a contém. Neste ponto, fica claro que a rejeição da lei e suas obras como “tábua de salvação” não pode ser confundida com anti-judaísmo; a aliança anterior é mantida não apenas como ícone, mas é utilizada como fundamento teológico para explicar a nova aliança.

Por outro lado, a partir da compreensão da proposta de Jesus para nosso relacionamento com Deus e com as pessoas, onde a lei e suas obras dão lugar à fé e à gratidão, a comunidade cristã reconhece a Jesus como mediador de uma nova e mais ampla aliança que tem como marca o perdão concedido a uma humanidade irremediavelmente pecadora.

Está claro que essa nova aliança não surge do nada propondo algo totalmente inovador. No entanto, o elemento trazido por Jesus da periferia para o centro da questão, a fé, faz tanta diferença que não é exagero chama-la de nova. “A tua fé te salvou” afirmou Jesus. Paulo resgatou os sinais dessa nova aliança já registrados na primeira: o justo viverá por fé, Abraão creu e isso lhe foi imputado por justiça. Assim, em quanto na primeira aliança justos são aqueles que guardam a lei a partir de seu esforço e dedicação, na nova aliança são aqueles que confiam no amor gracioso de Deus que são justificados.

Um dos principais pontos de tensão no relacionamento entre as duas alianças é exatamente o absurdo da justificação por graça mediante a fé. Isso porque ele expõe todos os esforços de justiça própria realizados pelo ser humano. “Não há um justo... não há quem faça o bem... nem um só.”, compilou o apóstolo Paulo em argumento que constrange o ser humano (judeu ou grego) a despir-se de suas pretensões e aponta para a justiça que vem de Deus.

Desta forma, o apóstolo apresenta uma nova aliança em que as pessoas encontram vida, valor e significado na fé que nasce da ação do Espírito, em substituição ao mérito que se adquire do cumprimento das exigências da lei. No cerne do evangelho pregado por Paulo não podem subsistir dois caminhos, um para os judeus mediante a lei e outro para os cristãos mediante a fé. O povo de Deus é um só formado de todos aqueles que abandonaram a justiça própria e se apropriaram da justiça de Deus demonstrada em Cristo Jesus.

Não há, no entanto, na apresentação de Paulo, um desejo de distanciamento entre as alianças. Somos herdeiros da fé de Abraão, recebida por graça. São esses os elementos capazes de nos proteger do veneno letal presente no esforço próprio e na auto-justificação.

11 junho 2012

Jesus, o exorcista?


Síntese comentada das ideias principais do artigo "Demônios, maus espíritos e a prática exorcista de Jesus segundo os evangelhos", escrito por Uwe Wegner in Estudos Teológicos, v. 43, n. 2, p. 82-103, 2003.


Como Jesus, segundo os evangelhos, concebia os exorcismos e os diferenciava das terapias e das transgressões morais?

A partir dos relatos dos evangelhos pode-se concluir que Jesus cria na existência do Diabo como um ser que se opõe (mediante tentação, sedução e indução) ao domínio do Reino de Deus desde tempos imemoriais e em demônios como seres sem corpo físico, capazes (mas não exclusivamente responsáveis) de infligir doenças de ordens física e psíquica mediante possessão.

Há elementos nos exorcismos relacionados nos evangelhos suficientes para compreender que, embora não considerasse a hipótese de que o Diabo fosse possuir uma pessoa, Jesus ligava o resultado das ações demoníacas aos propósitos do “príncipe deste mundo” – roubar, matar e destruir.

A brevidade dos relatos sobre os exorcismos e a pouca elaboração de Jesus sobre possessões e libertações não permitem uma resposta conclusiva sobre como Ele diferenciava exorcismo, terapia e transgressão moral. No entanto, está claro nos evangelhos que sua atitude não foi a mesma diante de todas as situações que confrontam o Reino de Deus e seus valores.

A hipótese de que o exorcismo fosse meramente uma interpretação equivocada de Jesus, provocada pelo entendimento limitado da época quanto a algumas doenças físicas e psíquicas, encontra resistência em outros elementos comuns à maioria dos casos relatados nos evangelhos, quais sejam: (a) a perda da identidade pelo possesso uma vez subjugado pelo demônio, (b) a situação de oposição aberta entre o demônio e o exorcista e (c) a violência destrutiva que cerca a situação.

De toda forma, Jesus parece compreender exorcismos, curas e o enfrentamento das transgressões morais como provas da presença e do avanço do Reino de Deus, mediante um claro entendimento de que essas ações restauram a integridade do ser humano de forma holística.

Como você avalia as diferentes hipóteses apresentadas sobre a compreensão dos demônios em Jesus? 

Percebo que as três hipóteses tentam estabelecer uma relação entre a prática e o pensamento de Jesus sobre o assunto e o contexto cultural, religioso e filosófico em que ele viveu e por isso consideram Jesus tão somente a partir de sua humanidade.

Primeira: a hipótese pressupõe que a crença em demônios como “espíritos maléficos e contrários a Deus” seja resultado da limitada compreensão da época em relação às doenças do corpo e da mente humana. Apresenta Jesus inserido em um estágio primitivo de cultura e por isso limitado quanto ao seu diagnóstico das “possessões”, ainda que coerente em relação à sua prática exorcista.

A existência de correntes filosóficas e religiosas que se mostravam céticas tanto em relação à existência de certas dimensões espirituais bem como sobre a relação das doenças com esse “mundo espiritual”, deixa claro que Jesus não estava aprisionado sob uma obrigação cultural de crer em demônios, nem de associá-los às doenças existentes.

Parece, então, que o pressuposto (e a hipótese) não se sustenta, o que é reforçado pelo autor do artigo ao apresentar a convivência pacífica dos avanços tecnológicos atuais com a crença em uma dimensão espiritual distinta da que vivemos.

Segunda: apresenta Jesus acima e além de sua cultura. Portanto ele não acreditaria em demônios, mas utilizava-se da linguagem corriqueira de seus contemporâneos para oferecer algum tipo de libertação.

Entendo que, ao fazer-se gente, o Filho se autolimitou. Jesus passou por aprendizagem e aquisição de cultura como todos os seres humanos passam. Não é razoável, então, supor que ele estava fora e acima de sua cultura. Vê-lo limitado por certas circunstâncias de sua existência humana não o diminui, mas, ao contrário, ratifica a beleza da encarnação do verbo.

Além disso, a hipótese parece contraditória em si mesma, pois não haveria libertação a ser oferecida se ele não cria na existência e ação de demônios. O que se poderia afirmar, então, dos relatos de exorcismo é que Jesus estaria retendo o seu conhecimento da verdade e mantendo seus contemporâneos aprisionados por crendices; uma postura incoerente com sua biografia.

Terceira: Jesus é apresentado como tendo passado por uma evolução em seu pensamento. Ele teria partido da crença em demônios e chegado ao entendimento de que a raiz dos males está na verdade no coração humano.

Não descarto a possibilidade de que, no decorrer de sua vida como ser humano, Jesus tenha ampliado seu entendimento a respeito da natureza humana e da realidade que nos cercar. Entendo que até o contexto de sua própria missão possa ter sido clareada pelo Espírito no decorrer de sua vida (ainda que os relatos dos evangelhos não apresentem tais evoluções).

Quanto ao assunto em tela, não vejo indícios de mudança de posição, nem tampouco encontro vozes entre seus discípulos, vozes posteriores, oferecendo o “último entendimento de Jesus” sobre este assunto.

Como você avalia a prática exorcista em igrejas de cunho neopentecostal à luz do posicionamento de Jesus?

Se por um lado, considero bom que essa dimensão dos sinais do Reino não esteja esquecida, por outro lado acho que o exorcismo tornou-se peça publicitária para projetar pessoas e instituições sem compromisso com o Reino. Ao contrário do que relatam os evangelhos, os exorcismos nessas igrejas me parecem repetitivos, repletos de mantras mágicos e desrespeitosos para com o ser humano.

Recentemente assisti a um vídeo em que Edir Macedo da IURD “entrevista” um demônio que afirmava atuar na igreja concorrente, a Mundial. O espetáculo durou vários minutos, enquanto o bispo “obrigava” o demônio a revelar as táticas que usava na concorrente falando através de uma mulher com as mãos postas para trás, como se estivesse amarrada. Em nada isso se parece com a palavra simples de Jesus: saia!

Para Jesus, o exorcismo era devolução da vida plena planejada por Deus; em muitas igrejas neopentecostais, infelizmente, ele transformou-se em prisão da alma através do medo e da dominação.

A natureza e a tarefa da igreja


Síntese das ideias principais de texto didático elaborado a partir de três artigos do Dr. Gottfried Brakemeier: Na santa igreja cristã, a comunhão dos santos. In: ALTMANN, Walter. Nossa fé e suas razões. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2004,147-155; Dez boas razões para viver em comunidade. In: Por que ser cristão? São Leopoldo: Editora Sinodal, p.47-66. Reavivamento comunitário. In: Testemunho da fé em tempos difíceis. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1990, p.81-91. Responsável pela elaboração: Prof. Verner Hoefelmann.

1)    Igreja, comunidade, denominação

Embora seja comum fazer-se distinção entre comunidade e igreja, o Novo Testamento - NT não distingue a dimensão local “comunidade” do aspecto coletivo “igreja”; ali as comunidades cristãs são ao mesmo tempo parte de um todo amplo e individualmente expressões plenas desse mesmo todo. Assim, não podem prescindir nem depender umas das outras.

O NT registra pluralidade de expressão cultural na formação da igreja, o que apoia o entendimento de que cada comunidade é livre para expressar os traços culturais das pessoas que a compõem. Esse mesmo entendimento se aplica a tradições confessionais e denominacionais.

2)    Como nasce a igreja

A igreja nasce quando Deus se dispõe a falar conosco anunciando as boas novas encarnadas em Jesus de Nazaré – sua vida, morte e ressurreição e pela resposta de fé das pessoas que o ouvem e acolhem os fatos e implicações do evangelho.

A partir do anúncio do Crucificado, seguem-se, em resposta de fé, batismo e comunhão – sacramentos que sinalizam a entrada na nova comunidade e concedem comunhão com Cristo e os demais membros.

3)    Sinais da igreja;

A despeito das dificuldades já anunciadas por Jesus quanto a identificar com certeza quem é igreja de verdade, os seguidores de Cristo sempre acreditaram na existência da “comunhão dos santos” com características delineáveis, identificáveis e expressas em comunidades locais.

Entre outros, são sinais que revelam a igreja de Cristo: adoração coletiva, ensino das escrituras, anúncio do evangelho, comunidade e comunhão entre os participantes. Lutero lista, entre outros, confissão, serviço eclesiástico e oração pública. De forma ampla, é o próprio Jesus a identidade de sua igreja, isto é, na proporção em que ele se faz presente é que a igreja é igreja.

4)    Imagens da igreja no NT;

Dentre as várias imagens que o NT usa para apresentar a igreja estão: povo de Deus, corpo de Cristo e santuário do Espírito Santo.

Povo de Deus: raça eleita - pessoas separadas para se tornarem bênção para a humanidade. A ênfase não é em qualquer merecimento, mas no serviço. Além disso, tornar-se povo de Deus encontra-se franqueado a qualquer pessoa pela obra da cruz; sacerdócio real – pessoas livres e com livre acesso à presença de Deus; nação santa – o entendimento sobre essa santidade não é de perfeição, mas de propriedade de Deus para seu uso exclusivo.

Corpo de Cristo: a imagem remete a um organismo com diversos órgãos cooperando entre si segundo sua especialidade para bem de todo o corpo. Os membros, como no corpo humano, não agem por si mesmos, mas estão submetidos à liderança e coordenação da cabeça, que é Cristo.

Santuário do Espírito Santo: como resultado da ação convencedora do Espírito, a igreja é por ele construída. Essas pedras vivas, “chamadas, congregadas, iluminadas e santificadas” (pag.3), são a própria habitação do Espírito, que não está sob a tutela da igreja, mas se faz presente nela, e por vezes de forma misteriosa.

5)    A tarefa da igreja

Chamada a serpovo, corpo e santuário, a igreja também recebeu a vocação de fazer. Entre suas tarefas estão: testemunhar sobre Cristo – sua vida, morte, ressurreição e retorno e apresentar o convite-anúncio para fazer parte da comunidade dos discípulos; promover a adoração coletiva em que Deus é reconhecido como o único digno de adoração; promover e integrar os discípulos de maneira que a convivência estabeleça oportunidade de comunhão; estimular os membros da comunidade ao serviço mútuo, sem qualquer tipo de acepção;

6)    Reavivar uma igreja a serviço da vida

Jesus demonstrou que as necessidades humanas não devem ser desprezadas ao afirmar que veio para oferecer vida plena; isso inclui a totalidade das coisas que se fazem necessárias para que a vida seja repleta de significado. Mesmo assim acabou crucificado.
Esse “escândalo da cruz” (pag.11) foi o ápice da tensão entre a oferta de Jesus - Ele mesmo, o pão da vida que desceu dos céus - para as “necessidades vitais” (pag.10) da humanidade e os conceitos deste mundo sobre o que é necessário para a vida. Ser igreja é ser como Jesus e “destruir ilusões” (pag.12) que são capazes de manter a vida apequenada; é distinguir entre necessidade falsa e verdadeira, denunciar a primeira e suprir em Cristo a segunda; é desmascarar o falso pão.

Encorajar comunidades a servir à vida passa por deixar de julgar e apresentar a razão da esperança que temos. Convencidas pelo argumento e pelo exemplo de vidas reais em busca de viver o evangelho, outras pessoas decidirão seguir a Cristo. Esse convencimento passa também pela disposição em partilhar do sofrimento do outro. O exemplo disso nós temos em Cristo.

Como as necessidades são múltiplas, a atuação das comunidades cristãs deve ser abrangente. A percepção da integralidade do evangelho precisa levar a igreja a agir de forma pastoral, profética, catequética, diaconal e missionária.

Apreciação Global

O texto tem razoável coesão e apresenta considerações importantes sobre a igreja, enquanto propõe questões relevantes para reflexão.

Considero importante o entendimento do autor quanto à completude das comunidades locais, que não são pedaços desfigurados da igreja, mas expressões plenas dela. Acho questionável, no entanto, que o mesmo princípio se aplique a “tradições confessionais e denominacionais”.

A apresentação dos sacramentos ao lado da proclamação e acolhimento do evangelho como base para o nascimento da igreja não me parece apropriada. Pergunto-me se a eventual ausência do batismo ou da comunhão caseira tornaria algum daqueles novos irmãos menos irmãos.

Destaco como relevante o entendimento a respeito da autonomia do Espírito em relação à igreja, devolvendo ao “vento” a liberdade que lhe peculiar.

O texto é feliz ao apresentar o cerne do evangelho no “desmascarar as ilusões” que nos desviam do pão do céu. Essa foi a excruciante missão de Cristo e continua sendo a missão da igreja.

10 junho 2012

Você é um dos nossos?

Uma das coisas que me aborrecem na igreja evangélica é o olhar excludente com que a sociedade é observada por alguns. Não falo de fora. Sou evangélico, nascido em berço evangélico e por isso me sinto livre para falar; porque me incluo a cada palavra dita. Somos excludentes quando estabelecemos certos padrões comportamentais que usamos como critérios para julgar as pessoas e também condená-las. Diga-se, de passagem, duas atitudes que não encontravam lugar na vida de Jesus.

Vou tentar explicar meu ponto de vista começando por coisas simples: roupas, cortes de cabelo, adereços e coisas do gênero. Quando as pessoas da igreja se utilizam do tipo de vestimenta usado por alguém para validar a relação dessa pessoa com Deus está em ação o espírito de exclusão. A questão é que não importa qual é a roupa que alguém está ou não vestindo, não importam a cor ou o corte de cabelo, não importam os adereços que se usam pendurados ou perfurando o corpo: não é nessas coisas que se define a relação de algum com Deus!

O sujeito pode usar um alargador do tamanho de um pneu e ser alguém temente a Deus, que desenvolve uma vida de confiança no Pai de uma maneira que eu, e você que me lê, nunca experimentamos. A mocinha pode usar toda a maquiagem que conseguir colocar no rosto e ter um coração obediente e rendido aos pés de Cristo. Não há incompatibilidade necessária nessas situações! Deus não observa a aparência dos comportamentos, mas a inclinação do coração.

No entanto, existe um raciocínio tacanho, apequenado, corrente entre o povo evangélico, que abriga o que vou chamar de "espírito de exclusão". Esse raciocínio é responsável por uma espécie de soberba tola e tem origem em interpretações meia-boca dos textos bíblico distribuídas aos montes por pastores da auto-ajuda que se especializaram em manter alto o "astral" do povo de Deus.

É o espírito de exclusão que divide as pessoas entre "nós" e "eles"; põe uma divisória de separação e nela uma porta com visor de vidro, chave e trinco por dentro (do lado evangélico). Lamentavelmente, do lado de dentro a ocupação de muitos é olhar pelo vidro da porta e observar, pelo comportamento, aqueles mais necessitados de salvação para oferecer-lhes a oportunidade de sair do lado de lá para o lado de cá da sala. Isso não se parece nem um pouco com o modus operandi de Jesus de Nazaré!
Estabeleceu-se uma cultura de auto-exaltação que leva parte dos evangélicos a se sentirem investidos do tipo de superioridade que foi duramente criticada por Jesus nos religiosos de sua época. Para ele a oração sincera do publicano era melhor que os arroubos do fariseu; os serviço desinteressado do samaritano era muito melhor que o zelo religioso dos mestres da lei e do templo; o perfume de arrependimento da prostituta, melhor que a superioridade dos "homens de bem".

Essa exclusão às vezes se apresenta de maneira chocante, como o sentimento de quem olha para homens e mulheres que deixaram exemplos dignos para a humanidade mas não é capaz de conceder-lhes a honra devida. Ao invés disso, abre-se a boca para frases infelizes do tipo: "...mas não era um crente, não vale nada!". Como se tornou rasteira nossa percepção sobre o agir de Deus no mundo e na vida das pessoas! E como são reduzidas as formas pelas quais reconhecemos válida a aventura de caminhar com Deus!

O sujeito escreve um artigo esplêndido denunciando a opressão sofrida pelas crianças em campos de trabalho forçado. Não seria ele uma voz profética? Mas se não for membro de alguma igreja evangélica, ele e sua obra pouca coisa valem. Um outro compôs uma belíssima canção que fala do valor da amizade. Não seria ele um salmista? Mas como não é crente ele e sua canção são vãos vistos com olhares atravessados. O vizinho dirige uma empresa com sensatez e com sabedoria mantém o emprego de milhares de pessoas produzindo bens e serviços úteis à sociedade. Não seria ele um bom mordomo? Mas como ele não frequenta os cultos de domingo...

Não é válido e digno de honra o compromisso com a parte da vida eterna que começa aqui neste mundo? Como é que fomos parar nesse buraco?! Parece que estamos treinados a olhar o ponto escuro na folha branca de papel. Imagine se Deus fizesse isso conosco! Não restaria ninguém em pé diante dele!

João, o batista, denunciou fariseus e saduceus que achavam sua situação privilegiada porque eram descendentes de Abraão dizendo o seguinte: "e não comeceis a dizer entre vós mesmos: temos por pai Abraão; porque vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão."

Às vezes penso que o povo evangélico acabou sucumbindo a uma religiosidade de escambo e nessa relação de troca com Deus é consumido pelo medo de Deus ser injusto nesse negócio. É um raciocínio semelhante ao que Jesus denuncio ao contar a parábola de um homem que contratou logo cedo trabalhadores para o seu campo e acertou com eles o valor da diária. Acontece que no decorrer do dia, ao meio dia e ao final do dia, ele recebeu novos trabalhadores. No final do expediente, aquele homem pagou a todos os trabalhadores a mesma quantia.

Não é justo! - Disseram aqueles que chegaram cedo pela manhã. E realmente não é! É graça! Mas ao invés de celebrar a bondade graciosa do patrão, que pagou aos que chegaram depois o mesmo que receberam os do começo do dia, eles preferiram a comparação e se julgaram mais merecedores. Acharam-se mais dignos e reclamaram com o dono do campo (ainda que tenham recebido exatamente o que lhes foi prometido).

O próprio Jesus afirmou que não veio julgar este mundo, mas salvá-lo. Não somos juízes! Não fomos chamados a proferir sentença sobre ninguém! Formos chamados a testemunhar sobre o amor de Deus provado pelo fato de que Cristo morreu por nós, mesmo pecadores como somos (todos).