Por Aristarco Coelho
Hoje a cidade de Fortaleza completa 280 anos. São quase três séculos, mas somos uma cidade nova, comparada a outras grandes metrópoles em nosso país.
Segundo alguns historiadores, por muitos anos o interesse da coroa portuguesa por essas bandas foi em função da defesa do litoral e do estabelecimento de um entreposto para as embarcações que navegavam do Maranhão para Pernanbuco; um ponto de apoio para os viajantes.
Sem muitos atrativos naturais como minérios preciosos, terras férteis, ou a proximidade da foz de um grande rio navegável, a cidade desenvolveu-se, aos trancos e barrancos, até tornar-se um dos seis maiores aglomerados humanos do Brasil.
Mas, qual é a cara da nossa Fortaleza? Hoje, qual o seu retrato?
Fortaleza é uma cidade próspera, mas grandemente desigual! Grande metrópole com impressionante expansão imobiliária, mas encravada por favelas e circundada por uma periferia pobre, maltratada e mal cheirosa; ainda assim a cidade é reconhecida pela criatividade de seus arquitetos: belos prédios por todos os lados, inclusive dentro dos mangues, das lagoas e dos mananciais.
Quem resolver andar em direção aos limites da cidade vai descobrir um verdadeiro apartheid; não racial, mas econômico. A partir de determinados pontos, a pavimentação desaparece, a iluminação publica se torna opaca, os edifícios se enfeiam e as pessoas parecem mais tristes.
A brisa fresca do mar não mais refresca toda a cidade. Paredões de concreto privatizaram o vento; não só o vento, mas nos arredores da cidade, a praia, antes pública, também foi privatizada.
A cidade dos carros importados e das pickup não tem um sistema de transporte em massa compatível com seus mais de dois milhões de habitantes; enquanto isso empresas de transporte de passageiros exploram suas concessões e oferecem serviços que ficam longe de atender às necessidades da população.
Sempre fico encantado com a beleza do litoral de Fortaleza, mas sofro com o comércio de sexo infantil que nossas belas praias testemunham todos os dias; meninas pequenas e franzinas (com trejeitos de mulher) usadas e usando homens sedentos por uma aventura longe de casa. Ainda assim, trabalhos de resgate da cidadania, como o realizado pela ABBEM na periferia da cidade, insistem em dizer que é possível manter a esperança.
Fortaleza sofre de angústia e estresse. A cidade cresce sem planejamento. Não há praças, não há parques, quase não há mais lagos, não há jardins, as poucas reservas são invadidas, não há zoológico; por enquanto há praias, mas nem todas próprias para o banho. No meio de tudo isso, ultimamente, tenho me alegrado ouvindo Murilo Marques, da ONG D3 denunciar a falta de humanidade em nossa cidade.
Em Fortaleza, as casas e condomínio se transformaram em fortalezas. A cidade vem em uma escalada crescente de violência. Os motivos são diversos e complexos, todos ligados aos problemas inerentes às grandes cidades: da impunidade ao egoísmo, passando pela bebedeira, subproduto da desilusão e da falta de propósito.
Mesmo assim, minha cidade gosta de festa. Na verdade festeja para não ver a si mesma. Carnaval ou Fortal, Ceará Music, Forró ou Funk, não interessa! Só não vale parar e pensar. Sexo sem limites, drogas de todos os tipos e um vazio que teima em não ser preenchido.
Se antes éramos um entreposto entre São Luís e Recife, hoje fazemos parte da rota do tráfico de drogas entre a América latina e a Europa. Fomos promovidos para baixo. Quais empreendimentos o lucro do tráfico está financiando em nossa cidade? Quem ganha com isso? Talvez nunca se saiba, mas o preço dos investimentos é a dignidade do nosso povo.
Sei que muitos, que amam Fortaleza, talvez reclamem desse texto. Onde estão a belas praias e o povo hospitaleiro? Onde a fabulosa estrutura turística? Onde está tudo que a cidade tem de bom? Calma, amigos, nada saiu do lugar. Eu também amo minha cidade. Mas, meu amor por ela não me permite ficar mudo diante das potestades que tentam encarcerar nossa Fortaleza dentro de suas fraquezas.
A homenagem que podemos oferecer a grande Fortaleza é assumirmos nosso papel de membros permanentes dessa comunidade. Deixarmos de agir como passantes, mercenários ou exploradores, que sugam o doce da cidade para si mesmos, não se importando com o presente dos que sofrem nem com o futuro das gerações que virão, e dispor-nos a transformá-la em um lugar melhor de se viver.
Parabéns Fortaleza! Queira Deus que de suas ruas ainda se ergam muitos homens e mulheres com firmeza de caráter e decisão para fazê-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário