15 julho 2012

O elefante da salvação


Penso que um elemento comum à diferentes igrejas cristãs no Brasil é a salvação. Cada uma observa e entende a salvação por um prisma particular e apresenta-se como defensora e promotora da sua salvação.

Assim, se alguém deixa de beber e fumar para preservar seu corpo, foi salvo; se uma comunidade passa a valorizar a vida humana acima do dinheiro, foi salva; se valoriza a dimensão espiritual e busca uma experiência de transcendência, foi salvo; se defende a vida em suas expressões mais frágeis, foi salvo; se reconhece a responsabilidade de cuidar do planeta, foi salvo.

É como se todos estivessem tateando o grande elefante da salvação (como na história dos cegos) e o descrevendo pelas partes. Tudo isso é salvação, ou melhor, tudo isso resulta de salvação.

Então, um grande desafio para a proclamação do evangelho seria admitir que todos somos parciais em nossa compreensão da salvação, mas todos a desejamos para nós e para os que nos cercam. Cada igreja promove aquilo que acha razoável para explicar e convencer a respeito da salvação que percebe mas, muitas vezes, o faz negando ou diminuindo o entendimento alheio, o que em nada ajuda à compreensão dessa tão grande salvação.

Penso que muito do que entendemos e apresentamos como salvação decorre de uma transação que conhecemos apenas em parte. Algo que não está em nossa dimensão, embora que seus sinais e marcos tenham invadido a humanidade na pessoa de Cristo. Quem sabe, então, se nos detivéssemos a explorar essa tão grande salvação, compreender e experimentar os seus aspectos multifacetados, passaríamos a percebê-la mais presente operando na vida daqueles que nos cercam e a proclamação seria uma grande orquestra de sons harmoniosos.

Quem sabe se a salvação da confissão se juntasse à salvação da espiritualidade e à salvação revolucionária à salvação da proclamação e a todas a demais teríamos boa chance de impactar nossa geração com as boas notícias do Reino de Deus.


Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

Hipertrofia do ministério pastoral?


Suas perguntas, Daniel, são pertinentes e estão inseridas em um contexto específico: este no qual os pastores se tornaram uma espécie de parte do corpo do Cristo que cresceu além do que lhe estava reservado, tornando o corpo desproporcional e necessitando de cuidados extras.

Sobre os pastores repousam responsabilidades que, no meu entender, deveriam ser cumpridas por outros membros do corpo de Cristo. Onde estão os profetas, onde estão os mestres e evangelistas? Onde estão os que têm dom discernimento e sabedoria? Nós não os encontramos mais e, porque a função que eles exercem são necessárias ao corpo, esperamos que o superministro do evangelho supra tudo. Para isso, é claro, é necessário "tempo integral" dedicação exclusiva para fazer tudo muitos outros deveriam fazer.

Abandonados os mandamentos recíprocos e o sacerdócio universal do crente, voltamos ao sacerdotalismo e, neste caso todas as suas perguntas precisam ser respondidas. No entanto, como seria se decidíssemos convidar o Espírito a suprir sua igreja com homens e mulheres com os mais diversos dons e habilidades necessárias ao crescimento do corpo em amor? Como seria se ao reunir-se a igreja um tivesse um salmo, outro um cântico, um outro o testemunho e ninguém, senão o Cristo vivo fosse o centro de tudo o que acontece?

O seu raciocínio quanto à necessidade do carro para visitar irmãos em diversos hospitais espalhados pela cidade é o mesmo usado pelos televangelistas para aquisição de seus jatinhos. Como eles poderão deslocar-se a tempo de atender aos compromissos espalhados pelo país a fora? Mas a pergunta deveria ser por que a igreja alça algumas pessoas e as coloca sobre pedestais, considerando-as acima dos mortais comuns e responsáveis por fazer acontecer a igreja?

Por que continuamos transformando nossos líderes em âncoras da nossa fé, quando Jesus explicou que não devemos colocar ninguém nessa posição? Será que não esta na hora de reconhecermos os danos que a hipertrofia do pastorado tem causado à igreja de Cristo e retornamos ao ministério do Espírito através da multiplicidade da graça de Deus?

Entendo que se os paradigmas forem mudados as perguntas serão outras e os problemas a serem enfrentados também mudarão. Assim, quem sabe, todos terão o direito de viver com simplicidade, não miseravelmente, mas grato com o que é necessário para uma vida de testemunho e anunciação do Reino de Deus.


Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

14 julho 2012

Cruzadas Pós-Modernas


Entendo que o Jesus guerreiro das cruzadas medievais era tão somente um ícone, uma bandeira sob a qual se aliaram os poderes econômico, político e religioso.

A igreja, seduzida pelas oferendas do dinheiro e do poder, forjou um Cristo violento ao invés daquele que orientou a oferecer a outra face; um Cristo interessado em conquistar e expandir um império ao invés daquele que afirmou que seu Reino não é deste mundo; um Cristo cuja a aparência é semelhante aos que dominam ao invés do Cristo que tinha a cara dos dominados.

Quando seguir a pessoa de Jesus é substituído por usar a imagem do Cristo, saímos da dimensão do "Reino de Deus" para entrar naquilo que poderia ser chamado de reino dos crentes, no qual a imagem de Cristo é volúvel e se apresenta conforme as necessidades de expansão dos negócios do reino.

Assim, o Jesus de alguns crentes em nossos dias é aqueles que está interessado em expandir as fronteiras denominacionais como uma espécie de defensor da ortodoxia doutrinária. É um Jesus estudado, intelectual, aristocrata que domina pela superioridade dos argumentos teológicos.

O Jesus aristocrata não sente a dor dos pequenos, pobres e oprimidos pelos pecados seus e do mundo. Ao invés de lamentar pelo povo, como aquele dos evangelhos, porque são como ovelhas sem pastor, o guerreiro da ortodoxia reforça a doutrina relembra a importância de se conhecer o modo certo de crer e as coisa certas em quais se deve crer.

Outra imagem é a do general, que guerreará pelos seus e os colocará em posição de superioridade; como cabeça e não como calda. O Jesus guerreiro que defende os seus com força e poder e por isso "mil cairão ao seu lado e dez mil a sua direita" mas os seus não serão abalados. É um Jesus adepto da filosofia: "aos amigos tudo; aos inimigos a lei".

Ao Jesus guerreiro pede-se vitória em concurso público mesmo se a pessoa não tiver estudado; pede-se que o guarda não multe o ônibus sem condições, que leva os irmãos ao acampamento; clama-se para que a fiscalização seja complacente com a falta de autorização para realizar um show gospel em espaço público. Afinal ele está do lado dos crentes.

Percebo que todo desvio, mesmo que seja leve, da imagem pela qual Cristo se apresentou nos evangelhos tem o potencial de instrumentalizar Cristo em prol de propósitos incoerentes com o Reino de Deus, embora alinhados com o reino dos crentes.



Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

A salvação dos judeus


Acho temerária toda generalização. Definir de uma tacada só o destino dos judeus não me parece um bom caminho. Veja que quando o próprio Jesus esteve entre nós muitos deles o receberam, mas outros o rejeitaram. Isso deve servir de alerta de que a salvação diz respeito ao relacionamento de cada pessoa com aquele que é a encarnação do amor de Deus. Veja como Pedro se dirige aos seu compatriotas e irmãos de fé:

Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse: "Ilustres líderes e anciãos da nossa nação, se os senhores se referem à cura realizada no paralítico, e como aconteceu, permitam que eu claramente afirme aos senhores e a todo o povo de Israel que isto foi feito no nome e no poder de Jesus de Nazaré, o Messias, o Homem que os senhores crucificaram - mas Deus ressuscitou. É pela autoridade dEle que este homem se acha aqui curado! Porque Jesus, o Messias, é Aquele a quem se referem as Escrituras quando falam de uma 'pedra rejeitada pelos construtores que se tornou a pedra principal da esquina'. Não há salvação em nenhum outro mais! Debaixo do céu inteiro não existe nenhum outro nome para os homens chamarem a fim de serem salvos". Ats 4:8-12

Parece-me, então, que Pedro está dizendo bem claro que a promessa de salvação dada por Deus aos descendentes de Abraão se cumpriu em Cristo. Logo, quando alguém que espera a promessa feita a Abraão rejeita a Cristo, virando as costas àquele que tanto esperava, certamente não se encontra em posição de requerer novo cumprimento da promessa já cumprida em Jesus.

Tratando de questão paralela, Paulo testemunha sobre a reação dos judeus (e dos gentios) de seu tempo à boa noticia de que a promessa dada ao judeus havia se cumprido com abrangência para o mundo todo, reações que me parecem presentes também em nossos dias.

"Deus, em sua sabedoria, providenciou para que o mundo nunca encontrasse a Deus através da inteligência humana. E então Ele se manifestou e salvou todos quantos creram em sua mensagem - essa mesma que o mundo considera absurda e ridícula. Parece absurda para os judeus, porque eles desejam um sinal do céu como prova de que o que está sendo pregado é verdadeiro; e é ridícula para os gentios, porque eles crêem somente naquilo que concorde com a sua filosofia e lhes pareça sábio. Por isso, quando pregamos que Cristo morreu para salvá-los, os judeus se ofendem e os gentios afirmam que tudo isso é disparate." 1Co 1:21-23.

Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Temas do Novo Testamento" tendo como assunto "Salvação somente por Jesus?". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

O protestantismo colonial


Síntese do texto "Temas da História da Igreja na América Latina: O Protestantismo Colonial" escrito por Wilhelm Wachholz. Produzido dentro dos limites de forma exigidos pela EST - Escola Superior de Teologia como requisito da disciplina História da Igreja na América Latina. 

Franceses Huguenotes

Depois de estabelecer as hipóteses mais comuns a respeito da história do nome huguenotes e posicionar seu surgimento no contexto da reforma protestante europeia, o autor passa a comentar os contatos ocasionais de protestantes no Brasil Colônia. Considera que nos três primeiros séculos desde a chegada dos portugueses é apenas nesses termos (contato ocasionais) que se pode falar da presença protestante em terras brasileiras.

O autor, de certa forma, justifica essa ocasionalidade ressaltando que o contexto histórico da disputa por hegemonia marítima e comercial levava consigo também a componente religiosa. Assim, o expansionismo português e espanhol trabalhava também em prol do estabelecimento de uma cristandade católica, projeto para o qual a presença protestante era uma ameaça.

A França Antártica desejada por Villegaignon era um projeto multifacetado com vários patrocinadores e interesses múltiplos. Ressalta o autor que o próprio Villegaignon era movido por fortuna e fama enquanto a França buscava terras, Calvino queria responder ao desafio missionário e Coligny ansiava por liberdade religiosa. Vê-se também que, da mesma forma que portugueses e espanhóis, os franceses atuaram como exploradores, e dessa maneira eram vistos inclusive pelos índios.

Segundo o texto, pode-se compreender que o protestantismo no Brasil deu seus primeiros passos amparado por frágeis “conversões de ocasião”, no caso, Villegaignon e Cointac. Certamente, à luz dos patrocinadores da empreitada, pareceu sensato a Villegaignon abdicar da fé católica e aderir ao protestantismo. Sua flexibilidade em matéria de fé, no entanto, não obteve resposta semelhante entre os pastores protestantes surgindo uma grave celeuma a respeito de pontos aparentemente periféricos, como liturgia e vestimenta. A convicção dos pastores protestantes e o confronto aberto que travaram com a autoridade constituída foram interpretados como séria ameaça ao status quo e reprimidos com tal.

Destaque-se que a interferência de Villegaignon nos assuntos de fé pode ter sido interpretada pelos pastores como uma ameaça precoce à liberdade religiosa ansiada pelos protestantes vindos da França, e por isso repudiada de pronto. A essa interferência, os pastores respondem com uma confissão doutrinária, um documento para dentro do ambiente religioso.

Assim, fica claro que esta primeira incursão protestante pouco tinha a apresentar quanto à missão evangelizadora do povo da terra, perdendo-se em meio a disputas internas de poder e na repetição dos embates menos brilhantes entre reforma e contrarreforma. Por outro lado, não se pode negar a importância da Confessio Fluminensis, documento produzido como afirmação de uma visão protestante sobre importantes pontos doutrinários; ainda que na época não tenha tido qualquer repercussão além da morte de seus propositores e o fim de um possível Brasil protestante.

Holandeses Calvinistas

Quanto à presença dos holandeses calvinistas no Brasil, deve-se primeiro destacar que veio a reboque dos interesses comerciais (à semelhança dos portugueses católicos) e no contexto das disputas políticas e expansionistas vigentes na Europa.

Durante 24 anos os holandeses estiveram presentes do Maranhão até a foz do rio São Francisco, inclusive ocupando cidades como Recife e Olinda, atuando através da Companhia das Índias Ocidentais. No entanto, diferente dos portugueses (e da tentativa huguenote), os holandeses adotaram como prática a tolerância religiosa, permitindo o exercício da fé judaica e católico romana.

A presença calvinista ganhou elementos de diferenciação prática pelas mãos de Maurice de Nassau. Ao mesmo tempo em que apoiava a edificação de templos e congregações, Nassau pessoalmente arregaçava as mangas e se engajava em questões práticas ligadas à vida do vilarejo de Recife. A interpretação dos moradores foi de que não havia ali o mero desejo de explorar e passaram a envolver-se pessoalmente com os projetos de Nassau.

Fiéis à tradição reformada, os calvinistas holandeses estabeleceram um atuação religiosa compartilhada, menos centrada no sacerdote. Assim, havia os anciãos para as tarefas administrativas, os diáconos para a assistência aos necessitados e os consoladores de enfermos para as visitas pastorais. À luz da concepção reformada de teocracia, os calvinistas criam na necessária interação entre ministério eclesiástico e autoridade civil, o que os levou a estabelecer instâncias políticas com atuação no âmbito das relações civis.

Também havia entre os calvinistas holandeses o desejo de cumprir a Missão. Assim, adotaram dos Jesuítas o sistema de aldeamento para alcançar o povo da terra; separando-se inclusive o um missionário para cuidar da evangelização dos indígenas na Paraíba. Chegou-se a compor um catecismo trilíngue (tupi, holandês e português), mas a obra sofreu objeções da igreja da metrópole.

Se por um lado a tolerância religiosa pode ser elencada com um diferencial marcante da ocupação holandesa no Brasil, o autor destaca que os calvinistas holandeses, embora professassem uma ética de dignificação do trabalho, não resistiram à tentação escravocrata, sistema que era a base da economia açucareira e sustentação do colonialismo. Mantiveram a economia girando ao preço da opressão, privação de liberdade e desprezo pela dignidade humana, e não apenas no Brasil.

As sementes lançadas em solo brasileiro bem poderiam ter resultado em bons frutos, mas os holandeses retiraram-se do Brasil movidos por outros interesses ligados à conjuntura político-econômica na Europa; nisso também se percebe que a Missão era tão somente mais um vagão no trem da expansão do colonialismo europeu (católico ou protestante).