Entendo que o Jesus guerreiro das cruzadas medievais era tão somente um ícone, uma bandeira sob a qual se aliaram os poderes econômico, político e religioso.
A igreja, seduzida pelas oferendas do dinheiro e do poder, forjou um Cristo violento ao invés daquele que orientou a oferecer a outra face; um Cristo interessado em conquistar e expandir um império ao invés daquele que afirmou que seu Reino não é deste mundo; um Cristo cuja a aparência é semelhante aos que dominam ao invés do Cristo que tinha a cara dos dominados.
Quando seguir a pessoa de Jesus é substituído por usar a imagem do Cristo, saímos da dimensão do "Reino de Deus" para entrar naquilo que poderia ser chamado de reino dos crentes, no qual a imagem de Cristo é volúvel e se apresenta conforme as necessidades de expansão dos negócios do reino.
Assim, o Jesus de alguns crentes em nossos dias é aqueles que está interessado em expandir as fronteiras denominacionais como uma espécie de defensor da ortodoxia doutrinária. É um Jesus estudado, intelectual, aristocrata que domina pela superioridade dos argumentos teológicos.
O Jesus aristocrata não sente a dor dos pequenos, pobres e oprimidos pelos pecados seus e do mundo. Ao invés de lamentar pelo povo, como aquele dos evangelhos, porque são como ovelhas sem pastor, o guerreiro da ortodoxia reforça a doutrina relembra a importância de se conhecer o modo certo de crer e as coisa certas em quais se deve crer.
Outra imagem é a do general, que guerreará pelos seus e os colocará em posição de superioridade; como cabeça e não como calda. O Jesus guerreiro que defende os seus com força e poder e por isso "mil cairão ao seu lado e dez mil a sua direita" mas os seus não serão abalados. É um Jesus adepto da filosofia: "aos amigos tudo; aos inimigos a lei".
Ao Jesus guerreiro pede-se vitória em concurso público mesmo se a pessoa não tiver estudado; pede-se que o guarda não multe o ônibus sem condições, que leva os irmãos ao acampamento; clama-se para que a fiscalização seja complacente com a falta de autorização para realizar um show gospel em espaço público. Afinal ele está do lado dos crentes.
Percebo que todo desvio, mesmo que seja leve, da imagem pela qual Cristo se apresentou nos evangelhos tem o potencial de instrumentalizar Cristo em prol de propósitos incoerentes com o Reino de Deus, embora alinhados com o reino dos crentes.
Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.