09 maio 2025

Caifás: o medo de perder o controle

 




Caifás

A história da crucificação de Jesus não pode ser compreendida sem um olhar atento para os bastidores do poder religioso e político de sua época. A cruz foi instrumento da violência romana — mas também o desfecho de uma negociação sombria entre religião e conveniência. Se Pedro representa o discípulo que tropeça e volta, e Maria de Betânia, a adoradora que se entrega, Caifás representa o sistema com medo perder o controle — e disposto a sacrificar a verdade para manter seus privilégios.

Um dos personagens mais desconfortáveis dos relatos da Paixão de Cristo, ele não foi um traidor impulsivo como Judas, nem um discípulo arrependido como Pedro. Estamos falando de um sacerdote. Um líder religioso. Um homem que conhecia as Escrituras e ocupava o lugar mais sagrado do sistema judaico. Ainda assim, foi ele quem arquitetou a condenação do Messias. Mas o mais perturbador sobre nosso personagem é que ele não está tão longe de nós quanto gostaríamos de imaginar.

O Sumo Sacerdote não negou Jesus por ignorância, mas calculadamente. Ele não se afastou do Filho de Deus por medo, mas por conveniência. Sua história representa o tipo mais perigoso de negação: 
aquela que é fria, estratégica, revestida de religiosidade e desconectada da graça. E esse tipo de fé ainda resiste à cruz nos ambientes religiosos em nossos dias.

Ainda que para alguns ela pareça um nome entre outros nos Evangelhos, Caifás é o símbolo destacado de uma espiritualidade capturada, institucionalizada, interessada mais na manutenção da ordem do que na revelação da verdade. Ele encarna aquilo que acontece quando o culto é tomado pela política, o templo se rende aos cálculos e o sadio zelo religioso é vencido pelo medo da perder poder.

Sua trajetória expõe uma das tensões mais dramáticas da fé cristã: o que acontece quando a religião, em vez de conduzir a Cristo, se transforma num escudo contra a cruz? O sumo sacerdote que articulou a morte de Jesus não era um estranho ao culto, ao templo ou à Lei — ele era o guardião do sagrado institucionalizado. Mas foi esse zelo deformado que o tornou incapaz de reconhecer o Messias que ali estava. A cruz era inaceitável não porque fosse incompreensível, mas porque ameaçava o sistema que o sustentava.




27 abril 2025

 


Pedro

Pedro era intenso. Ele era daqueles que falam o que sentem, que prometem sem pensar duas vezes, que lideram com o coração. Sua história é marcada por uma série de contrastes que soam bem familiares: promessas feitas com fervor… seguidas por ações que fraquejam; intenções verdadeiras… travadas por impulsos humanos; amor sincero… ofuscado pelo medo e pela vergonha.

E caiu feio, mas não porque era fraco. A questão é que ele se achava forte demais. E sim, ele traiu Jesus, negando que o conhecesse, mas não era porque o amor dele por Jesus fosse uma farsa — ele confiava demais em si mesmo, na própria lealdade, no próprio desempenho. E isso nos ensina algo poderoso: quando nossa autoconfiança não passa pela cruz, ela vira armadilha e nos faz vestir máscaras, assumir poses que não conseguimos sustentar, e construir uma fé apoiada em areia movediça.

A gente vive pressionado a parecer forte, eficiente, resolvido, brilhante. Mas Jesus não está pedindo nada disso. A cruz aponta outro caminho — o da vulnerabilidade que se rende, da fraqueza que se entrega, da coragem de dizer: 
“Senhor, eu preciso da Tua graça. Sem Ti, eu caio.”

Quando a coragem é insuficiente

Pedro sempre se destacou entre os discípulos como aquele que tomava a dianteira. Era ousado, decidido, corajoso. Ao ouvir que Jesus iria para um lugar onde eles não poderiam segui-lo imediatamente, Pedro prontamente respondeu: “Darei a minha vida por ti!” (João 13:37). Suas palavras revelavam um coração comprometido, mas também uma confiança excessiva em sua própria disposição e força moral.

Richard Bauckham, ao analisar essa cena no capítulo 3 de Ao Pé da Cruz, destaca que Pedro, como muitos discípulos de Jesus, ainda não percebera que os passos do Mestre em direção ao seu Reino não se dariam por bravura ou pela força da lealdade emocional, mas pela entrega à cruz — algo que desconcertava até os mais próximos. Pedro, ainda preso a concepções heroicas de fidelidade, não estava preparado para enfrentar o escândalo da cruz.

Aliás, o evangelho de João mostra que, mesmo antes da negação, Pedro já revelava sua incompreensão sobre o que significava realmente seguir Jesus. No Getsêmani, quando os soldados vieram prender o Mestre (João 18:10), ele saca uma espada e fere Malco, o servo do sumo sacerdote, numa tentativa desesperada de defender Jesus, no braço mesmo. Pedro queria proteger o Salvador com sua espada, quando o  caminho do próprio Jesus era o da rendição ao plano de Deus. A fidelidade que ele imaginava oferecer a Cristo não estava enraizada na cruz, mas no heroísmo impulsivo.

Em nossos dias, essa mesma atitude se repete em outras situações. Valorizamos o desempenho, a autoconfiança e a capacidade de vencer pelos próprios méritos. É um modelo de sucesso que exige força e resiliência. E, muitas vezes, esse padrão é importado para a vida cristã. Acabamos construindo uma fé medida pelo desempenho, onde depender de Deus não é algo popular e a coragem é confundida com espiritualidade. A questão é que, como aconteceu com Pedro, esse tipo de coragem não tem fundamentos sólidos e logo desmorona quando a pressão aumenta.






 

Maria de Betânia

Entre tantos rostos que se aproximaram de Jesus nos dias que antecederam a cruz, há um que se destaca não pelos discursos, nem pelos feitos extraordinários — mas por sua adoração silenciosa e profunda. Maria de Betânia não pregou em praças, não fez milagres, nem enfrentou os religiosos do seu tempo. Mas ela esteve onde poucos tiveram coragem de estar: aos pés do Salvador.

Este volume da série 
À Sombra da Cruz é um convite para caminhar com Maria em três momentos marcantes de sua história — quando ela ouve, quando ela chora e quando ela se entrega. Em cada cena, somos levados a refletir sobre questões fundamentais da fé:

O que temos colocado no centro da nossa vida?
Estamos dispostos a derramar o que temos de mais precioso por amor a Jesus?
Continuaremos fiéis quando a cruz se aproximar?

O Valor da Presença de Cristo

A crucificação de Jesus não foi só um evento distante no tempo — foi um momento que tocou profundamente cada pessoa envolvida. Todos os que estiveram ali, de algum modo, tiveram suas vidas marcadas. Pedro sentiu o peso da culpa por ter negado seu Mestre. Pilatos e Caifás revelaram como o medo e o orgulho podem cegar a justiça. Barrabás foi o símbolo da graça que substitui o culpado pelo inocente. Simão Cirineu foi surpreendido com a missão de carregar uma cruz que não era sua. Nicodemos enfrentou o conflito interno entre sua religiosidade e a fé verdadeira.

Mas, antes que a cruz fosse levantada, há uma cena que merece atenção: a de Maria de Betânia. Ela não estava envolvida em debates teológicos ou em posições de liderança. Ela simplesmente se derramava. Maria nos mostra que a verdadeira adoração é aquela que nos leva aos pés da cruz.

Maria de Betânia não era conhecida por grandes discursos ou feitos públicos. O que a tornava especial era sua postura de entrega, sua disposição de estar aos pés de Jesus. Enquanto muitos estavam ocupados com seus interesses, dúvidas ou status, ela escolhia o lugar mais simples e mais profundo: a presença de Cristo. O exemplo dela nos provoca: o que temos colocado como prioridade na nossa vida?

Vivemos dias acelerados. São compromissos, tarefas, metas. Corremos de um lado para o outro tentando dar conta de tudo — trabalho, família, ministério, vida pessoal. E até nosso tempo com Deus, muitas vezes, entra nessa lógica de “obrigação”. Mas Maria nos ensina algo diferente: mais do que fazer coisas para Deus, Ele deseja que a gente simplesmente esteja com Ele.

Se Jesus estivesse aqui, hoje, de forma visível... onde Ele nos encontraria? Como Marta, estressados e ocupados demais para parar? Como os fariseus, apenas observando de longe, sem entregar o coração? Ou como Maria, sentados aos pés dele, com atenção, afeto e entrega total?

Neste momento, vamos olhar para o exemplo de Maria e aprender com ela o que significa adorar com profundidade, perceber os tempos espirituais e manter nossa fidelidade mesmo quando tudo ao redor parece desabar. Sua história nos convida a uma pergunta sincera: estamos realmente aos pés de Cristo... ou apenas correndo ao redor dele, sem parar para estar?