A guisa de introdução, para posicionar seu ponto de partida e os objetivos do texto, o autor afirma que, embora teologia e pedagogia tenham experimentado referências comuns nos anos 1970, a instrumentalização dos princípios pedagógicos de Paulo Freire como mera ferramenta no contexto prático da educação cristã não tem contribuído para um diálogo interdisciplinar, mas esvaziado aqueles princípios de seus significados.
Entende o autor que à luz da intercessão histórica, faz-se necessário encontrar uma intercessão também na teorização, sistematização e reflexão acadêmicas que leve teologia e pedagogia a cooperarem na feitura de um novo pensar. Isso seria alcançado pela escuta mútua entre teólogos e pedagogos, uma espécie de semeadura de um novo processo de construção do conhecimento.
Pressupõe o autor que a reflexão pedagógica deve ter qualidade teológica da mesma forma que a reflexão teológica deve primar pela boa pedagogia. Assim, indaga o autor sobre “o quanto de teológico está incorporado na pedagogia de Paulo Freire”, e o faz em dois momentos: primeiro refletindo sobre o ponto vista dos teólogos a respeito da obra de Freire e em seguida sobre a qualidade da teologia ali presente.
I – Análise Crítica
Quanto à análise crítica, o texto apresenta-se de forma resumida e, quiçá, rasa. De um lado são apresentadas as críticas de Matthias Preiswerk, Dom Vicente Scherer e John Elias; do outro lado são listados pontos de defesa trabalhados por Nestor Beck, Carlos Alberto Torres Novoa e Herman Brandt.
Preiswerk vê Freire como uma síntese que mescla humanismo católico, nacionalismo e traços do marxismo. Já Sherer é categórico em afirmar que o pensamento de Freire e a doutrina cristã são irreconciliáveis e Elias vê excesso de otimismo nas ideias de Paulo Freire, pois não acredita que o homem pecador seja capaz de transformar sua realidade.
Na outra margem, Beck encontra na pedagogia de Freire elementos práticos da liberdade cristã e uma correlação entre ambas quanto ao ambiente comunitário em que nascem e sobrevivem. Novoa evoca a importância da mescla entre a educação e a teologia que visam à liberdade. Brandt advoga que Freire concede à libertação uma qualidade religiosa e afirma que ele articulou sua pedagogia a partir do a priori da fé no ser humano. Novoa complementa o entendimento ao afirmar que em Freire não é caso de haver apenas linguagem ou metáforas religiosas, mas de teologização.
II – Qualidade Teológica
No texto, o autor escolheu dois aspectos do pensamento pedagógico de Freire para refletir sobre a qualidade da teologia ali presente: a questão do a priori e o poder da palavra.
Entende o autor que ao apresentar a fé no ser humano como pressuposto para o diálogo entre pessoas e grupos, Freire reconhece que a convicção na capacidade do ser humano de “fazer e refazer, criar e recriar” não trata de afirmar a existência de habilidades, atributos ou conhecimentos, mas tem ares de “graça concedida” e, portanto, se encontra dentro da dimensão da graça divina, do tipo que fala Jesus no Sermão do monte ao afirmar que Deus “faz nascer o sol tanto sobre bons como maus”.
Freire compreende Deus como aquele que sabe de forma absoluta e o ser humano como quem se encontra em permanente processo de aprendizagem. Assim, da mesma maneira que Deus está presente na história da libertação humana, o ser humano se faz presente à medida que liberta e é libertado em seu processo de aprendizado. O ser humano, então, é co-autor da Criação e co-participante da obra de Deus ao “criar e recriar formas de relacionamento com toda a criação”.
Nessa perspectiva, a fé no ser humano fala do amor às pessoas e o amor está se sustenta na esperança da transformação. Estabelecida esta “tríade antropológica” do pensamento pedagógico de Paulo Freire, não se pode fugir da tríade bíblica apresentada pelo outro Paulo; o teólogo hierarquiza e o pedagogo entrelaça, mas os entendimentos se tocam e são compartilhados.
O amor que está presente no diálogo se vê na humildade de ouvir a leitura que o outro tem do mundo, inclui a confiança mútua na ação libertadora do aprendizado e a esperança de transformação da realidade pela vivência dos sinais do Reino como justiça e igualdade. Ao mergulhar na realidade experimentada pelas pessoas e emergir com elas para uma nova realidade depois de sofrer junto o sofrimento que agora é conjunto, fica clara a perspectiva cristológica que permeia o cerne da pedagogia freireana.
Outro aspecto abordado no texto é o poder da palavra, que no pensamento de Freire “forte conexão teológica”. Usada ao mesmo tempo para sintetizar o binômio ação-reflexão e expressar a leitura de mundo e dos processos de transformação, a palavra em Freire é um ato criador do “Ser-Mais”. Assim, se estabelece uma ligação com a concepção bíblica da palavra geradora de vida como apresentada no Gênesis.
Para Freire o evangelho é um palavra libertadora construída por Cristo em meio ao relacionamento dele com o mundo e as pessoas em sua volta e Jesus é o pedagogo que vai fazendo surgir essa “palavração” a partir da realidade da pessoas com quem convive pelas parábolas, pelos milagres e por sua paixão e morte.
A antropologia freireana compreende o ser humano como inacabado, incompleto e, portanto, sujeito à experiência do aprendizado. Cientes desta condição os atores do processo ensino-aprendizagem podem revestir-se de humildade e respeito por si e pelos outros, bem como abertos à valorização da leitura que o outro tem da realidade. Por outro lado, pode-se destacar o entendimento de Paulo Freire sobre o processo de ensino-aprendizagem como “uma relação de comunhão entre pessoas pensantes”. Isso remete ao ambiente comunitário seu entendimento pedagógico e o relaciona à salvação que é nossa, e não minha.
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