25 novembro 2013

Aceitem-se uns aos outros... Como Cristo os aceitou



Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo os aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus. Rom 15:7 

INTRODUÇÃO

Os primeiros anos da vida da Igreja de Jesus foram marcados, entre outras coisas, pela tensão entre os convertidos de origem judaica e os demais convertidos (chamado pelo judeus de gentios).

Os apóstolos que estiveram com Jesus (Pedro, Tiago, etc) durante os seu ministério se voltaram para a pregação e o ensino aos judeus, enquanto Paulo, que foi alcançado por Cristo depois, voltou-se para o mundo não judeu. Através de suas viagens, foi principalmente Paulo que levou ao resto do mundo a mensagem do evangelho de Cristo: que Deus estava disposto a receber as pessoas em Sua família adotando-as como seus filhos mediante a fé em Jesus Cristo.

Acontece que a pregação de Paulo não era completamente aceita por alguns seguidores de Jesus de origem judaica. Eles entendiam que os costumes e as leis que faziam parte do judaísmo há séculos também deveriam ser observados pelos seguidores de Jesus, mesmo se eles não fossem judeus.

Uma das questões que eram debatidas entre eles era sobre o tipo de comida que era permitido comer. Em volta dos templos pagãos havia um intenso comércio de carnes oriundas dos sacrifícios aos seus deuses, e os seguidores de Jesus de origem judaica acreditavam que era errado, um pecado mesmo, comer daquela carne; por outro lado, muitos seguidores gentios não pensavam dessa forma e achavam normal comprar e comer da carne sacrificada aos ídolos. 

Foi nesse contexto de tensão que Paulo afirmou no capítulo 14 que não fazia sentido rejeitar o irmão por causa daquilo que ele come ou bebe, porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Em vez disso, eles deveriam respeitando as diferenças que existiam entre eles.

A notícia bombástica do evangelho pregado por Paulo era que tanto os judeus que rejeitaram o Messias e o crucificaram quanto os gentios quem nem sabiam da existência de um salvador, foram acolhidos por Cristo.

Ora, se Cristo, o filho de Deus, aceitara a todos não havia motivos para eles se rejeitarem mutuamente. Paulo, então, conclui no verso 7 do capítulo 15 (o nosso texto) pedindo aos irmãos de Roma que aceitem-se uns aos outros como Cristo nos aceitou.

Mas COMO foi que Cristo nos aceitou?

Quem gosta de estudar a língua portuguesa, a “Última flor do Lácio, inculta e bela”, como afirmou Olavo Bilac, sabe que os verbos são de grande importância na construção do nosso idioma. Eles indicam a ação que está acontecendo. Mas, arrisco-me a dizer que tão importante quando os verbos são os advérbios, capazes que são de qualificar as ações. Os advérbios dizem como, e isso pode fazer toda a diferença.

Por isso vou usar dois advérbios para esclarecer COMO fomos aceitos por Cristo:

ALTRUÍSTICAMENTE

Nossos dias são marcados por relações utilitárias. Muito do que fazemos é avaliado levando em conta o benefício que se pode obter com nossas ação. O primeiro COMO de nossa aceitação por Cristo é um contraponto dessa cultura: Cristo nos aceitou altruisticamente.

Para perceber esse COMO é preciso relembrar que Jesus nos convidou para andarmos com ele quando nós estávamos “mortos em nossos delitos e pecado”, isto é, não havia absolutamente nada de bom em nós capaz de dar razão a esse amor. Foi assim que fomos aceitos por Cristo, altruisticamente.

Você NÃO foi aceito porque é gente boa, cumpridor dos seus deveres, correto em suas obrigações. Não é nada disso! Você foi atraído por Deus, convencido pelo Espírito Santo e convidado pelo Filho a fazer parte da família de Deus sem que houvesse qualquer expectativa sobre sua bondade.

Vinde a mim todos os que estão cansado e sobrecarregados e eu os aliviarei... vinde a mim e encontrareis descanso para as vossas almas.

Esse convite singelo de Cristo deixa claro o tipo de pessoa que foi chamada para festa da salvação: gente cansada de si mesmo e sobrecarregada com as exigências religiosas; gente cuja a alma clama por alívio; gente falida e sem esperança; gente de quem não se espera nada em troca.

Meus irmãos, o fato de Cristo ter-nos aceitado assim, do jeito que nós somos e sem esperar nada em troca do seu amor, é um golpe mortal em qualquer esforço de justiça própria diante de Deus.

Se a salvação é uma grande festa, como ilustrou Jesus, você é um convidado ilustre que não fez absolutamente nada para receber esse convite. Você não está na festa de penetra ou por esforço próprio. Você foi convidado pelo dono da festa! Ele o chamou quando você estava exausto de tentar fazer a vida funcionar. Então ele tirou de sobre seus ombros os trapos de justiça própria, vestiu-lhe as roupas apropriadas da Graça e deu-lhe um lugar de honra. Tudo isso sem esperar absolutamente nada em troca!

Não importa seu passado obscuro, nem seu presente confuso. Quando você respondeu sim ao convite de Cristo, se tornou parte da grande família de Deus. A festa é para você!

Ao aceitar você assim, altruisticamente, Deus o está livrando do engano de achar que isso tudo tem alguma coisa a ver com seu esforço ou com algum mérito pessoal. É pura Graça precedida de misericórdia! Por isso, você não precisa continuar levando nas costas o fardo de “fazer por onde” ser aceito por Deus. Você está livre para viver a vida abundante que Ele preparou.

IRREVOGAVELMENTE

O segundo COMO da nossa aceitação por Cristo é Irrevogavelmente.
Ele nos aceitou de forma definitiva. Jesus não é o tipo de pessoa que primeiro acolhe e depois rejeita. A condição de filho que Ele lhe deu NÃO é revogável. Isso porque você foi aceito não com base naquilo que você é capaz de fazer, mas com base no amor do Pai por você, que não muda. Certa vez, Jesus afirmou:

Todo o que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei. (...) Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia". João 6:37,40 

Essa aceitação irrevogável é maravilhosa! Ela nos deixa seguros, tranquilos e nos enche de gratidão. O amor de Deus não volta atrás!

Há muita gente por aí ensinando que o amor de Deus por nós vai e vem dependendo dos erros e acertos que cometemos na vida. Eles defendem a ideia de que nossa vida é constantemente pesada numa espécie de balança para ver se somos dignos de sermos aceitos por Cristo. Isso não é o evangelho de Jesus!

É claro que esse amor irrevogável de Deus jamais deve ser motivo para uma vida descomprometida com os valores do Reino. Ao contrário é um chamado para vivermos vidas bonitas, que honram esse amor.

Deus o aceitou irrevogavelmente porque Ele deseja que seu coração encontre paz e descanso por meio da confiança no amor dele por você; um amor que não volta atrás. Assim, você não precisa ficar com medo de ser expulso da festa porque quebrou um copo de cristal ou pisou no pé de alguém. Por causa desse amor irrevogável, você está livre para viver a vida abundante que Ele preparou para você.

CONCLUSÃO

Para concluir vamos voltar ao começo, por que acho que já encontramos nossa resposta para o COMO de nossa aceitação por Cristo e assim poderemos refletir melhor sobre as palavras de Paulo.

Portanto, aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo os aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus. Rom 15:7 

Cristo nos aceitou altruística e irrevogavelmente, isto é, o amor dele por nós não espera nada em troca nem desiste no meio do caminho. Será que podemos nos aceitar uns aos assim? É um grande desafio, mas temos a garantia de que o Senhor estará com a gente a cada passo.

Um dos aspectos desse desafio é rever a forma do nosso relacionamento com Deus. Se você guarda consigo resquícios das religiões baseadas na justiça própria, é possível que esse mesmo modo de se relacionar com Deus se reproduza nos seus relacionamentos com as pessoas.

Assim, quem acha que deve “fazer por onde” ser aceito por Deus guarda sua aceitação apenas para aqueles que considera dignos de serem  aceitos. Esse é o terrível jogo da justiça própria, em que andamos por aí com réguas para “medir” o esforço uns dos outros, para ver quem merece ser aceito. Nesse jogo, Graça e Misericórdia são palavras desconhecidas.

Basta que o irmão pise na bola uma vez para que seja colocado sob observação. Nas segunda pisada de bola, cartão amarelo. Na próxima, cartão vermelho! Tá fora do nosso grupo.

Permita-se ser transformado pela renovação da sua mente. Se Deus o aceitou sem esperar nada em troca, sabendo o seu estado de morte espiritual, que direito você tem de rejeitar seus irmãos em Cristo quando eles não correspondem as suas expectativas?

Entenda uma coisa: você e seu irmão podem pensar diferente, você pode não gostar do jeito com ele vive a vida... Discordar do jeito que ele age na igreja... Mas você não pode rejeitar aquele que Jesus aceitou. Ele é seu irmão porque foi gerado pelo mesmo Pai, não por uma questão de opção sua ou dele.

Vocês tem confiado em Jesus Cristo, e por isso todos vocês são filhos de Deus... Assim que não importa se são judeus ou gentios, se são escravos ou livres, ou se homens ou mulheres. Se estão unidos a Jesus Cristo, todos são iguais. Gl. 3:26,27 BLS

Outro aspecto do desafio de aceitar-nos uns ao outros como Cristo nos aceitou é a nossa inconstância. Jesus deixa bem claro que o amor dele por nós não tem volta. Por que o nosso amor pelas pessoas oscila tanto? Outra vez quero convidá-lo a refletir sobre a forma do seu relacionamento com Deus para só depois pensar sobre a maneira que você lida com as pessoas.

O ponto de partida novamente são as religiões baseada na justiça própria cujas crenças podem estar entranhada em sua mente. Se alguém acredita que o amor de Deus está condicionado aos seus “acertos”, é bem provável que sua espiritualidade seja uma verdadeira montanha russa, cheia de altos e baixos.

Li a Bíblia esta semana.... Deus me ama! A montanha sobe.
Gritei com minha mulher... Deus não me ama! A montanha desce.
Perdoei a traição de uma amigo... Deus me ama! A montanha sobe.
Menti para um cliente... Deus não me ama! A montanha desce.

Quem vive um relacionamento deste tipo com Deus, provavelmente reproduz a mesma coisa nos relacionamentos com as pessoas. E do mesmo jeito que se sente inseguro a respeito do amor de Deus, o amor que têm pelos irmãos é também instável e inconstante.

Permita-se ser transformado pela renovação da sua mente. O amor de Deus por você não tem volta. Cristo o aceita mesmo conhecendo o sobe e desce da sua vida. Esse amor de Deus é o combustível de que você precisa para aceitar seu irmão a despeito do sobe e desce da vida dele.

Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?

Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós.

Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: "Por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro".

Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. Rom 8:31-39 

Há um hino antigo que diz assim:

Não sei por que de Deus o amor
A mim se revelou,
Por que razão o Salvador
Pra si me resgatou.
Mas eu sei em quem tenho crido,
E estou bem certo que é poderoso
Pra guardar o meu tesouro
Até o dia final.

Aceite o amor gracioso e constante de Deus por você! Abasteça-se desse amor. Assim haverá amor de sobra para amar os irmãos.

Hoje é um dia especial. Você percebeu aspectos da sua vida com Cristo que precisam ser ajustados. Se você deseja iniciar uma nova fase na maneira como você se relaciona com Deus e com seus irmãos, venha até aqui para orarmos juntos e pedirmos a ajuda do Pai.

21 julho 2012

Conhecendo Deus pela experiência da fé


Percebi, se não estou enganado, que você considera como principal problema a ser enfrentado por uma pastoral comunitária a falta de respostas adequadas aos questionamentos apresentados. Certamente o despreparo das famílias e das comunidades de fé para lidar com algumas questões é preocupante.

No entanto, fico a pensar que é tão ou mais danoso ao amadurecimento da fé (e da imagem de Deus) a inclinação de famílias e comunidades de fé para oferecer respostas prontas, certas e muitas vezes fechadas ao diálogo. Penso que há um caminho árduo e com resultados recompensadores que tem sido desprezado: o da construção do conhecimento de Deus pela experimentação pessoal da fé. 
Explicando em partes: 

Construção: acho que o adolescente (principalmente ele, mas, de uma forma geral, todos nós também) carece de um espaço de reflexão sobre a fé "herdada" das gerações anteriores. O adolescente precisa construir sua própria fé, por mais doloroso que isso possa ser para ele e para aqueles que o cercam. Isso implica perguntar, indagar, questionar, duvidar e colocar em cheque todo seu sistema de fé, até então meramente copiado dos adultos que lhe serviram de referência.

Acontece que muitos dos adultos que deveriam lidar com tudo isso e agir como parceiros nessa construção são, eles mesmos, inseguros, têm pouca habilidade para interagir com questionamentos e foram ensinados a agir com guardiões da verdade, reprimindo todo e qualquer atitude que se pareça como ameaça ao status quo religioso que defedem.

No entanto, o único caminho para alguém se apropriar da fé, transformando-a em pessoal, é testá-la ele mesmo, esticá-la e virá-la pelo avesso até que ela se torne sua; caso contrário, será sempre a fé de outrem e estará sempre a um passo de ser abandonada.

Conhecimento de Deus: aqui acho que temos também um longo caminho a percorrer. Digo isso porque entendo que muitos de nós nos tornarmos experts em conhecimento SOBRE Deus, mas ignorantes quanto ao conhecimento DE Deus. Deus tem sido esquadrinhado, não experimentado; Ele é uma explicação (às vezes tosca), não uma companhia na caminhada.

Quando nos propomos a "encher" a mente de jovens e adolescentes com conhecimento sobre Deus, pensando que assim estamos fazendo o melhor para o seu bem, corremos o risco de estabelecer um padrão relacional ancorado na mera racionalidade, um padrão fragilíssimo para enfrentar o mundo em que vivemos.

Experimentação pessoal da fé: lembro-agora de Jó e sua afirmação: antes eu te conhecia de ouvir falar, mas agora meu olhos te vêem. Acho que Deus, por nos conhecer a fragilidade, acompanha nossos estágios de compreensão e experimentação da fé. Ele aguarda por nós e nos alcança com a linguagem que compreendemos dentro contexto que vivemos e nas limitações do nosso desenvolvimento. Infelizmente, não somos assim tão respeitosos com nossos irmãos e temos a perniciosa tendência de esperar e desejar respostas padronizadas.

Acho que precisamos permitir que jovens e adolescentes trilhem sua própria caminhada de fé e aprendam, cercados do carinho, fazendo suas próprias perguntas, questionando e enfrentando respostas maduras em ambientes tolerantes e sensíveis.

Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Pedagogia e Correntes Pedagógicas" tendo como assunto "Contribuições teológico-pedagógicas para uma pastoral comunitária". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

Como se vive relacionamento com Deus?


Parece-me que a ênfase expansionista tem-nos levado a um ativismo sem precedente em torno de mega-eventos e em honra a personalidades. Isso ocorre em detrimento da necessidade básica de nos ensinarmos mutuamente, através do exemplo, como se vive uma vida de comunhão e relacionamento com Deus.

Ora, se Deus não é uma realidade experiencial para os discípulos de quem se espera maturidade, o que podemos esperar de jovens e adolescente? Se homens e mulheres com décadas de caminhada cristã são incapazes de apresentar sua fé em uma conversar informal de um contexto pluralista, o que vamos cobrar de nosso jovens e adolescentes?

Acho que são aqueles a quem Deus concedeu dons e autoridade que devem tomar a iniciativa de conduzir as comunidades de fé das quais participam à maturidade; e isso inclui especialmente os jovens e adolescentes. Penso que esse é o pensamento de Paulo ao afirmar:

"Ele concedeu dons de apóstolo, profeta, evangelista e pastor-mestre para treinar os seguidores de Cristo, para que haja um serviço de qualidade no corpo de Cristo, a igreja. Ele fez isso para que todos possam trabalhar juntos em perfeita harmonia e sintonia, numa resposta cheia de gratidão e dedicação eficiente ao Filho de Deus, como adultos plenamente maduros, plenamente desenvolvidos, plenamente cheio de vida, como Cristo. Chega de ser criança. Não dá para tolerar gente ingênua, bebezinho que são alvos fáceis dos impostores. Deus quer que cresçamos, conheçamos toda a verdade e a proclamemos em amor - à semelhança de Cristo, em tudo." Ef. 4:11-15 AM

É necessário que uma mescla equilibrada de conhecimento sobre Deus e conhecimento de Deus faça parte de nossa tarefa pedagógica. Precisamos ensinar (e aprender) como andar com Deus, não apenas a fazer uma lista de coisas a respeito dele. E precisamos começar "ontem", porque o amadurecimento não tem pressa. Gente não amadurece como banana.

Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Pedagogia e Correntes Pedagógicas" tendo como assunto "Analfabetismo religioso e a mudança de imagem de Deus". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

19 julho 2012

Fé, família e igreja


Acho um risco colocar nos "lombos da igreja" uma responsabilidade que me parece ter sido delegada à família desde o tempos antigos da lei. É no contexto natural da vida, quando os dilemas e questionamentos de fé realmente surgem, que o ensino sobre quem é Deus e de como Ele se relaciona conosco toma corpo e pode ser experimentado por crianças, jovens e adolescente dentro dos limites da compreensão de cada um.

Um dos riscos que vejo quando despejamos a responsabilidade pela formação da vida de fé das crianças e adolescentes na "igreja" é a despersonalização dessa responsabilidade. Pais e mães, então, podem "descansar" porque a instituição igreja e seus programas educacionais darão conta do recado. Tenho visto muitas famílias fracassarem ao abdicar suas responsabilidades em favor da "igreja".

Outro risco que percebo é que, ao assumir a total responsabilidade quanto à educação religiosa de pais e filhos, a "igreja", através da atuação de seus líderes, pode produzir um processo de infantilização dos membros adultos da comunidade; pais e mães são esvaziados de seu inalienável papel pedagógico e se tornam meros coadjuvantes em um processo educacional que muito provavelmente será pautado pela dependência e submissão emocional aos líderes religiosos.

Por outro lado, acho que, como parte de uma comunidade de fé (E o que é um comunidade de fé, senão um agrupamento de famílias?) todos somos responsáveis uns pelos outros. Isso porque nossos exemplos de vida e a maneira como nos relacionamos com Deus e uns com os outros está efetivamente construindo os referenciais da vida de fé de nosso filhos.

A mim, parece-me razoável compreender a comunidade de fé como cooperadora com a família, mas nunca como responsável pela formação de fé de crianças e adolescentes. Se há uma responsabilidade pedagógica realmente a ser exercida no contexto do Corpo de Cristo, diz respeito à preparar-nos mutuamente para a autonomia e a liberdade em Cristo que advém de um relacionamento sadio com Deus.




Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Pedagogia e Correntes Pedagógicas" tendo como assunto "Vitimização e desigualdades são faces da mesma moeda". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

Inclusão e controle


Um aspecto que considero positivo é exatamente a clarificação da terrível estratégia de exclusão generalizada para assumir o controle do processo de inclusão. Transformar em situação padrão a não participação (exclusão) das pessoas no bem-estar que Deus, a partir dos recursos naturais, franqueou a todos e em seguida se apresentar como quem inclui os excluídos (é claro que conforme seus próprios critérios) é uma estratégia de controle e manutenção de poder; não se trata de situação restrita aos sistemas políticos e modos de produção.

A mesma situação acontece no contexto da igreja quando o sacerdócio universal do crente é apagado do ensino prático da igreja, o sacerdotalismo (católico e evangélico) é considerado como padrão, e, em seguida, os sacerdotes-pastores apresentam políticas de inclusão e participação dos leigos. Como assim "inclusão"? O véu do templo foi rasgado de cima abaixo? A exclusão não foi banida da cruz e essa coisa de clero/laicato não foi partida em pedaços no gólgota? No entanto, são considerados avançados e beneméritos os sacerdotes que incluem os leigos. E aqueles que trabalham em prol da inclusão 
são os visionários, mesmo reforçando o paradigma de controle e poder .

Essa mesma estratégia leva alguns servidores públicos a criarem dificuldade para vender facilidade. O cidadão tem direitos assegurados em lei mas os desconhece (ou insanamente não se importa com eles). Os direitos, então, são "apagados" da relação servidor-cidadão como forma de controle da situação e manutenção de poder. A partir daí o servidor público que "conceder" aqueles mesmo direitos passa a ser "o cara" (mesmo tendo ele extirpado o direito do cidadão, concedendo-o em conta-gotas conforme o seu próprio critério). Os espertos, então, são aqueles que conhecem a pessoa certa para fazer-lhes um favor (reforçando o falso paradigma de controle e poder).

De forma idêntica, se a Diaconia, no contexto da fé cristã, esquecer que seu trabalho é restabelecer o direito natural ao bem-estar (a despeito dos regimes e políticos e modos de produção) e transformar-se em mero benfeitor da estratégia sistêmica de manutenção de poder pela pseudoinclusão, estaremos tão somente reproduzindo o modelo deste mundo; isso sim é mundanismo.

Jesus alertou seus discípulos que começavam a disputar o poder no colégio apostólico dizendo que o modo de ver o outro que se tornou padrão neste mundo é o da dominação, mas que no Reino dele é diferente; a relação que tem valor é a do serviço mútuo, porque essa é coerente com o direito natural de bem-estar concedido ao ser humano e que estava na mente do criador.


Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Diaconia e Cuidado" tendo como assunto "A nova mentalidade do 'moderno colonizado' ". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.