08 abril 2017

Reconcilação


Quando relacionamentos são quebrados não é possível que ocorra restauração com participação de apenas um dos lados. Todos os envolvidos precisam fazer o que estiver ao seu alcance. Mas diante da nossa incapacidade de caminhar primeiro para ele, Deus veio até nós! Ele agiu primeiro e moveu-se em nossa direção! Sem esse primeiro movimento de Deus nenhuma reconciliação poderia acontecer.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação. 20Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus. 21Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus. 2 Cor 5.18-21 (NVI)

       A segunda carta escrita pelo Apóstolo Paulo aos irmãos que moravam na cidade de Corinto possivelmente foi escrita por volta de 55 ou 56 dC, quando ele estava na Macedônia, durante seu caminho de volta a Corinto.

Diferente da primeira carta que aborda diversas questões ligadas à vida da igreja e ao relacionamento entre os irmãos, na segunda epístola a maior parte do texto é uma defesa a respeito de seu ministério como Apóstolo do Evangelho aos gentios. 

A segunda carta aos coríntios consiste de três partes principais: os primeiros sete capítulos contêm a defesa de Paulo sobre sua conduta e seu Ministério; a segunda parte (8-9) trata do levantamento de uma oferta para os irmãos pobres da Judéia; e a Terceira parte (10-13) contêm uma mensagem de reprimenda aos caluniadores existentes na igreja. 

Sempre muito questionado e criticado por seus contemporâneos, o Apóstolo aos Gentios foi quem articulou, de maneira mais clara e didática, a essência do evangelho de Jesus para aqueles que não são judeus, mesmo sendo ele um judeu de raiz.

       Hoje vamos ser apresentados a um conceito maravilhoso desenvolvido por Paulo que nos ajudará a compreender um pouco mais o evangelho: a reconciliação.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação.

Após lermos os versos 18 e 19 uma pergunta é inevitável: sobre o que o apóstolo está falando quando diz... ‘Tudo isso provém de Deus? ’ Permitam-me, já aqui no começo, abrir um breve parêntesis para constatar a importância de procurar um contexto mais amplo para entender aquilo que lemos na Bíblia.

Quando ouvimos mensagens em áudio ou vídeo pelas redes sociais, e os pregadores nos apresentam apenas uma pequena porção das Escrituras, não devemos nos dar por satisfeitos, mas ampliar o contexto para examinar de forma adequada o texto bíblico. Quem se contenta apenas com os farelos que caem da mesa dos pregadores certamente ficará malnutrido espiritualmente.

Uma leitura de todo o capítulo 5 é suficiente para percebermos que os versos que lemos são a conclusão de ideias que Paulo desenvolveu ao longo dos primeiros versos. Uma dessas ideias está nos versos 14 e 15.

14Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. 15E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.

É notório o entendimento do apóstolo de que a morte de Jesus teve o propósito de nos arrancar de um modo de vida autocentrado e nos levar para um viver centrado em Jesus.

        É maravilhoso que essa compreensão seja formulada por Paulo, alguém que vivia a vida em torno de si mesmo e de sua comunidade de fé. É maravilhoso porque Paulo não está falando de algo que ele apenas leu em algum lugar, irmãos. Ele escreveu a partir de sua própria experiência com o evangelho de Jesus.

Ele era ainda um jovem muito religioso pouco tempo depois da morte de Jesus, e estava na estrada, a caminho da cidade de Damasco, com o propósito de perseguir e prender qualquer um que fosse do Caminho, quando o próprio Senhor ressurrecto encontrou-se com ele. Aquele encontro mudou tudo! O homem que antes vivia para defender seu próprio ponto de vista sobre a vida, agora falava e defendia as ideias de Jesus, inclusive estava disposto a morrer fazendo isso?

Esse modo de vida centrado em Jesus, esse viver para Cristo, é tão transformador que nos tornamos realmente pessoas novas, novas criaturas. Esse novo viver é marcado por uma vida pacificada com Deus que avança em direção à eternidade.

Imagino que o apóstolo, olhando para esse novo viver, e talvez lembrando-se do apedrejamento de Estêvão e revivendo seu próprio zelo religioso cego, sua arrogância, sua natureza pecadora... viu brotar em seu coração um pergunta incômoda: de onde veio essa mudança em minha vida?  De onde vêm todos esses presentes que tenho recebido... paz para viver a vida, um coração grato e um destino eterno com Deus... Eu certamente não mereço. De onde vem isso tudo?

Um professor sentiu a falta de um menino que vinha frequentando sua classe na Escola Dominical. Agora, ele estava faltando há três domingos consecutivos.

Com esforço, descobriu que o menino morava no alto de um morro próximo à igreja, um lugar de difícil acesso. Foi perguntando a um e a outro até que descobriu a casa.

Quando se aproximou e ia bater à porta, recebeu uma pedrada na testa e sentiu o sangue descer pelo rosto. Ainda tentou identificar de onde o ataque viera, mas a dor era tão grande que tomou conta de suas preocupações.

Ferido na alma e machucado no corpo, o professor desceu o morro para fazer um curativo. Mas não se intimidou! Comprou de presente para o garotinho uma roupa, um brinquedo e voltou lá em cima. Ao chegar à casa de seu aluno, deixou os presentes, reforçou o convite para ir à Escola Dominical e voltou para casa.

No dia seguinte bem cedo alguém bateu à sua porta. O professor veio atender e ali estavam de pé um homem e um garotinho, o seu aluno, com os presentes na mão.

- Professor, viemos devolver o presente que o senhor deixou, disse o homem. Esse menino não merece! Sabe quem foi que atirou a pedra no senhor? Foi ele! Ele não merece receber esse presente.

A essa altura o garoto já estava chorando, envergonhado e sem defesa diante do que havia feito. O professor, então, abaixou-se e, olhando seu aluno nos olhos, perguntou-lhe:

- Você não gostou do presente?

- Gostei sim, professor, mas não mereço.

- Você não precisa do presente?

- Preciso sim, mas não mereço.

- Eu dei esse presente a você... não foi porque você o mereça, mas porque eu o amo e sei que você precisa dele.

De onde vem tudo isso? Tudo isso provém de Deus, responde o apóstolo! Foi dele a iniciativa! Foi ele quem primeiro nos amou e produziu em nós o amor agradecido que pulsa em nossos corações. Paulo, então, nos introduz ao assunto afirmando que essa nova vida transformada se tornou possível apenas porque fomos reconciliados com Deus.

Ora, reconciliação não é uma palavra estranha para nós. Ela faz parte do nosso dia a dia e aparece quase sempre depois de uma briga, uma desavença ou uma discussão. Quem é casado sabe bem que a reconciliação é algo que faz parte da vida a dois. Também os amigos sabem que as amizades só resistem ao tempo se a reconciliação fizer parte do relacionamento.

No conceito mais comum, tentar se reconciliara com alguém é dizer ou fazer algo que convença o outro a restabelecer um relacionamento rompido: um marido pode comprar flores... uma esposa pode fazer a comida predileta dele... um amigo pode dar um livro de presente... tudo para que o outro mude de opinião quanto ao rompimento. Resumindo, algumas vezes, a reconciliação é um esforço para mudar a outra pessoa ou para mudar o conceito que ela tem sobre nós.

O apóstolo Paulo, no entanto, nos apresenta um outro modelo de reconciliação. Ele afirma que o primeiro passo dado por Deus para nos reconciliar com ele não foi tentar nos convencer de que estamos errados ou mudar nosso conceito sobre ele, mas deixar de lançar na nossa conta o preço do nosso pecado.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo (...), 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, (...)

Quando relacionamentos são quebrados não é possível que ocorra restauração com participação de apenas um dos lados. Todos os envolvidos precisam fazer o que estiver ao seu alcance. Mas diante da nossa incapacidade de caminhar primeiro para ele, Deus veio até nós!

O que as Escrituras estão a nos dizer, irmãos, é que Deus agiu primeiro e moveu-se em nossa direção! Na cruz de Cristo, os pecados dos homens foram lançados na conta daquele que não tinha pecado. Sem esse primeiro movimento de Deus nenhuma reconciliação poderia acontecer.

A maioria das religiões do mundo afirmam que o ser humano está em desequilíbrio e precisa se encontrar. Os caminhos apontados por essas religiões podem ser diferentes, mas todos eles adotam aquele modelo de reconciliação pelo esforço em mudar o ânimo do outro, ou seja, ensinam formas de agradar suas divindades (inclusive aquelas em que a divindade é o próprio homem).

Desde as oferendas às forças da natureza, feitas pelas culturas animistas, até as novenas católicas e as correntes evangélicas, passando pelo auto aperfeiçoamento dos espíritas, todos estão se esforçando para convencer seus deuses de que merecem ser amados.

Por outro lado, o evangelho de Jesus é o anúncio de que isso nunca deu resultado e nunca vai dar certo. Esse esforço de convencer Deus a amá-lo é inócuo e desnecessário porque Deus já é amor! Por isso ele tomou a iniciativa da reconciliação. Nas palavras do apóstolo João: Nós o amamos, porque ele nos amou primeiro.

Acontece que às vezes somos como aquele menino da história, batendo na porta de Deus, culpados, sem justificativa para o que fizemos, devolvendo os presentes e dizendo que seremos bonzinhos daqui para frente.  Esquecemos que foi ele quem primeiro nos procurou e nos amou.

Hoje você precisa apropriar-se dessa verdade: a culpa pelas pedras que você jogou contra Deus foram colocadas na conta de Jesus, quando ele morreu na cruz do Calvário. Foi assim que Deus nos reconciliou com Ele!

Ministério da Reconciliação

Olhando ainda para os versos 18 e 19, vemos que quase ao mesmo tempo em que nos reconciliou consigo mesmo, Deus nos deu uma mensagem e nos incumbiu de um ministério: o ministério e a mensagem... da reconciliação.

18...e nos deu o ministério da reconciliação, 19...e nos confiou a mensagem da reconciliação.

Em nosso dia-a-dia, nem sempre as pessoas falam a partir de suas experiências pessoais. É comum no trabalho que um chefe dê ordens sobre o serviço que ele nunca fez. Ele pode dar boas orientações, mas às vezes nunca fez ele mesmo aquilo que está pedindo para ser feito. O método de Deus é diferente. Ele nos chamou para sermos ministros da reconciliação depois fazer tudo o que era necessário para reconciliar o mundo consigo mesmo. 

Na primeira fase da reconciliação, Deus dirigiu-se em nossa direção com seu amor e nos considerou justos, mediantes os méritos de Cristo, lançando na conta de seu Filho o preço do nosso pecado. Toda a iniciativa foi dele, todo o trabalho foi dele. E agora já não há, da parte de Deus, nenhum impedimento para que o ser humano se aproxime.

Da parte de Deus está tudo consumado. Foi isso que Jesus afirmou ainda pregado na cruz. O caminho está livre para ser trilhado, um novo e vivo caminho. O que mais há para ser feito, senão receber o presente? Na verdade irmão, há muito a ser feito. Somos chamados a anunciar a boa notícia: que o pecado foi perdoado, que a culpa foi lançada sobre o Cristo de Deus, e que uma nova vida está disponível para aqueles que se reconciliarem com Deus. 


O ministério da reconciliação encontra espaço no coração humano a partir de nossa compreensão de como é abrangente e poderosa a restauração que Deus coloca à nossa disposição. E para compreender o quanto é maravilhosa essa restauração operada por Deus, irmãos, é preciso começar com estrago que o pecado fez em nós.

Comentando sobre a reconciliação, Hernandes Dias Lopes, considerou que o pecado produz um abismo com muitas dimensões, um abismo que teima em nos isolar e nos manter distantes do projeto de vida que Deus preparou para nós.

‘O pecado divide, desintegra e separa. Ele provocou um abismo espiritual, pois separou o homem de Deus. Provocou um abismo social, pois separou o homem de seu próximo. Provocou um abismo psicológico, pois separou o homem de si mesmo, e provocou também um abismo ecológico, pois separou o homem da natureza, fazendo dele ora um depredador, ora um adorador dessa mesma natureza’.

É neste mundo cheio de abismos que nos separam e nos isolam uns dos outros que somos chamados para um ministério que é essencial para o evangelho: reconciliação.

Em que consiste esse ministério? Paulo o compara ao trabalho de um embaixador. O termo grego usado por Paulo aqui remete aos representantes do Império Romano que eram enviados às províncias em conflito a fim de administrá-las e trazê-las de volta à paz. Os embaixadores levavam às províncias rebeldes uma proposta de paz e um apelo que essa proposta fosse aceita.

20Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus.

Os embaixadores romanos, quando chegavam às províncias, eram logo reconhecidos como representantes do império. Eles levavam consigo as insígnias do império. Suas comitivas levavam um estandarte com a bandeira o império, os escudos tinham o brasão do império e suas correspondências eram lacradas com o selo imperial. Esse símbolos eram o sinal de eles falavam em nome do Imperador, o que tornava possível que eles fossem ouvidos em um ambiente hostil.

Nós somos chamados a anunciar a boa notícia ao mundo e a suplicar, como faziam os embaixadores romanos, para que as pessoas aceitem a proposta de paz e se reconciliem com Deus. 

Porque as pessoas nos ouviriam, irmãos? O que podemos apresentar nas províncias rebeldes do mundo em que vivemos para que tenhamos o direito ao menos de falar em nome do Rei?

Ora irmãos, as insígnias do Rei Jesus em nossas vidas são nossas próprias respostas à reconciliação operada por Deus em nós. Quando estamos reconciliados com Deus, as pessoas em nossa volta não só permitem, elas até pedem que falemos em nome do Rei.

Se estamos reconciliados com Deus, nosso relacionamento com ele será cheio de confiança no seu amor e livre do medo. Isso é um sinal de que vencemos o abismo espiritual produzido pelo pecado.

Se estamos reconciliados em nossa vida interior, nossas limitações, falhas e pecados não mais nos atormentam, mas são colocados ao pé da cruz, enquanto somos transformados pelo Espírito de Deus. Isso é um sinal de que vencemos o abismo psicológico.

Se fomos reconciliados com as pessoas, nossos relacionamentos deixarão de ser centrados e nós mesmos. Seremos capazes de pensar no bem delas e de agir, às vezes até em prejuízo próprio, para que suas vidas sejam abençoadas. Isso é um sinal de que vencemos o abismo social.

Se estamos reconciliados com o mundo criado por Deus, exercemos nosso papel de cuidadores do jardim e a criação encontra em nossas vidas o lugar adequado: nem é destruída, nem adoradora, mas reconhecida como expressão do amor de Deus por nós. Isso é um sinal de que vencemos o abismo social.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação,

Que o Senhor complete sua boa obra começada em nós de maneira que sejam embaixadores dele nas províncias rebeldes desse mundo, ministros da reconciliação, levando a maravilhosa proposta de paz que é o evangelho de Jesus Cristo, nosso salvador.

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