25 novembro 2013

Laços e nós



Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. Efs 4:1-6

“Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados...”

Paulo estava preso quando escreveu esta carta aos irmãos que moravam na cidade de Éfeso. Ele fora preso porque se declarou um seguidor de Jesus. Sem poder continuar as viagem que fazia visitando as igrejas, ele recorreu às cartas, o único meio de comunicação à distância de que dispunha.

Logo no começo desse capítulo, ele pede aos irmãos que vivam de forma digna, isto é, que sejam coerentes, com o chamado que receberam de Deus. Aqui parece claro o pensamento do apóstolo de que o evangelho é um chamado para viver a vida. Ele estava preso, mas os irmão em Éfeso estavam livres para experimentar o Evangelho de Cristo nas pequenas coisas da vida. Assim como eles, nós também estamos livres para...

·        Ir à feira ou ao supermercado;
·        Levar as crianças para a escola;
·        Comer pizza com os amigos;
·        Trabalhar e ganhar o sustento;
·        Visitar um parente que adoeceu;
·        Ir ao banco pagar contas;
·        Ajudar na mudança de um amigo;
·        Jogar bola no campinho;
·        Participar de uma reunião de pais e mestres.

De fato, a vida é feita de coisas como essas, simples e corriqueiras. Por isso a vida com Cristo não é só entender coisas, mas principalmente experimentar a graça de Deus no dia-a-dia; é viver esses momentos simples de maneira que nossas ações sejam coerentes com o jeito de Cristo pensar.

“...com toda a humildade e mansidão, com longanimidade...”

Há vários modos de agir que são esperados dos seguidores de Cristo enquanto estamos envolvidos nas coisas simples da vida. Paulo começa o verso 2 destacando três: humildade, mansidão e longanimidade.

Humildade
Mansidão – Dócil – Amável – Educado - Brandura
Longanimidade – Paciente – Sem desanimar – Pavio Curto

Agora você deve resistir à tentação de listar na sua mente as pessoas que deveriam ser humildes, mansas e pacientes. Você não pode fazer quase nada por elas. Portanto, olhe para você mesmo: essas marcas estão presentes em sua vida?

“...suportando-vos uns aos outros em amor...”

Para que precisamos de Humildade, Brandura e Pavio Longo?

O texto parece deixar claro: para suportar os irmãos, amigos, familiares, colegas de trabalho, vizinhos... Realmente tem alguns irmãos que são difíceis de aguentar, não é?

Neste ponto eu gostaria de ajudá-lo a corrigir um engano muito comum na compreensão deste texto. Segundo os estudiosos da língua grega, suportar aqui não é aguentar no sentido de tolerar, mas dar suporte, apoio, sustentação. São dois significados bem diferentes.

Pesquisei a palavra que Paulo usou (anechomai) e foi traduzida por “suportar” e veja o que encontrei: uma empresa de assessoria. A Anechomai Assessoria, Consultoria e Treinamento tem sede em Curitiba/PR e se propõe a oferecer aos seus clientes suporte na área de informática. O objetivo da Anechomai é facilitar a vida de outras empresas ajudando na solução de problemas e fornecendo as melhores saídas para que elas façam o trabalho delas com qualidade. Eles não se propõem a aguentar clientes chatos, mas a apoiá-los

Então, quando Paulo nos encoraja a suportar uns aos outros, ele NÃO está dizendo para aguentar o irmão, como quem prende o nariz quando passa por um fedor. Ele está dizendo que devemos apoiar-nos para que nossas vidas sejam menos complicadas e cada um de nós possa realizar tudo aquilo que Deus Planejou.

 Os resultados podem ser bem diferentes, dependendo do jeito que a palavra suportar é compreendida. Veja:

Quando suportar é aguentar o fedor do outro... humildade, brandura e pavio curto são para nós mesmos, para nosso benefício pessoal, pra gente aguentar o outro. Isso produz pessoas egoístas, que veem a vida girando em torno de si.

Quando suportar é apoiar... humildade, brandura e pavio curto são em benefício do outro, para descomplicar a vida dele e ajudá-lo em suas dificuldades. Isso produz pessoas altruístas, capazes de agir em benefício dos outros porque o mundo não gira em torno deles.

“...esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz...”

No verso 3, Paulo continua falando com o irmãos que moravam em Guarabira, quer dizer, em Éfeso. Ele diz àqueles irmãos que se eles agirem com humildade, brandura e cultivarem um pavio longo, ele irão preservar a unidade do Espírito.

De que unidade Paulo estava falando?

Lendo os versos seguintes, parece que ele está dizendo que existem coisas em comum entre nós. Coisas que não fomos nós que produzimos, mas que foram realizadas pelo Espírito de Deus:

·        Ele nos fez um corpo (o de Cristo);
·        Ele nos deu uma esperança (a da vida eterna);
·        Ele nos fez servos do mesmo Senhor;
·        Ele nos deu a mesma fé e nos colocou juntos;
·        Ele nos fez filhos do mesmo Deus.

A unidade do povo de Deus não é obra minha ou sua. Nenhum líder ou liderado, por mais carismático ou agradável que seja, pode produzi-la, porque ela é obra do Espírito de Deus.

Nós nos chamamos de irmãos porque fomos gerados pelo mesmo pai, não é porque frequentamos o mesmo culto ou porque seja sempre agradável estarmos na companhia um dos outros. Irmão se desentendem, mas sabem que têm o mesmo sangue correndo nas veias e por isso sempre serão irmãos. Não têm o direito de renegarem um ao outro. Então, veja só: é por isso que Paulo fala que a unidade é DO ESPÍRITO.

Mas como podemos fazer isso?

O texto diz: estabelecendo vínculos de paz entre nós. Ou como fala em outra tradução, “mantendo entre vocês laços de paz”[1].

A unidade entre nós NÃO será mantida por meio dos nós apertados da opressão, do medo, da manipulação, da agressão ou da ameaça. Não! É verdade que os nós apertam, mas também machucam. A unidade entre nós será mantida pela fragilidade dos laços de paz.

Como estabelecer e preservar os belos e frágeis laços de paz entre nós?

Uma outra tradução[2] desse verso 3 nos dá duas boas dicas: (1) considerar que somos diferente uns dos outros e (2) resolver logo todo e qualquer desentendimento entre nós.

(1)  Considerar que somos diferente uns dos outros

Parece que uma das maiores fontes de conflito nos relacionamentos é nossa vontade de que os outros sejam iguais a nós, de que eles ajam do jeito que agimos, falem como falamos, pensem parecido conosco, enfim, queremos que os outros não sejam eles mesmos, mas não abrimos mão de sermos quem somos.

Precisamos reconhecer nossa diferenças.

Enquanto um é mais preocupado com organizar coisas outro se dedica mais às pessoas; enquanto um gosta de estudar a bíblia outro prefere cantar, uns são sérios outros sorridentes, uns são determinados outros são precavidos, uns oram silenciosamente outros choram e clamam. Somo diferentes uns dos outros e essa diferença é boa. Em nossa diferença é que se revela a beleza da multiforme graça de Deus.

Que tal para de tentar “consertar” o irmão para ele ficar parecido com o que você gosta e reconhecer que a unidade do Espírito é ainda mais bela porque acontece no meio de pessoas diferentes?

Além disso, se existir algo a ser “consertado” no irmão, é melhor deixar isso para o Espírito Santo de Deus. Ele é mestre nesse ofício.

(2) Resolver logo todo e qualquer desentendimento entre nós

A segunda dica é resolver os conflitos com rapidez. Não deixar acumular problemas sem resolvê-los. Infelizmente esse NÃO é um hábito em nossa cultura. Quase sempre preferimos “deixar a coisa se resolver sozinha”; o que raramente acontece. Mas essa atitude só atesta a limitação que temos para tratar e resolver nossos desentendimentos. Revela nossa imaturidade.

Jesus deixou algumas diretrizes sobre a solução de conflitos que podem nos ajudar a sair da meninice e caminha para a maturidade. Vejamos:

Mateus 18: 15-17
Se você tem algo contra seu irmão...

Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano.

(1) Procure-o em particular, só você e ele, e diga claramente o que está lhe incomodando;
(2) Conte o seu caso para uma ou duas pessoas maduras na fé e procure o irmão novamente junto com elas.
(3) Leve a situação para o grupo maior e exponha novamente a queixa.
(4) Espere em oração que o Espirito de Deus convença o irmão de que sua queixa é justa.

Mateus 5:23,24
Se você sabe que seu irmão tem algo contra você.

Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.

(1) Pare todas as suas atividades (inclusive religiosas) e priorize a solução do conflito;
(2) Procure de toda forma que estiver ao seu alcance fazer as pazes com ele.

Efésios 4:26
Se você ficou com muita raiva (ira) de alguém.

Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira,

(1) Não permita que a ira se transforme em rancor e depois em raiz de amargura. Trate o problema tão logo seja possível.


Vamos juntar tudo agora

Por quê todo esse cuidado nas Escrituras encorajando a gente a resolver logo e de forma eficiente os desentendimentos entre nós? Por que só assim podemos manter os frágeis laços de paz entre nós e assim preservar a unidade do Espírito.

E por que é importante que haja paz entre nós? Por que só com um clima de paz é possível oferecer suporte aos nossos irmãos, para que a vida deles seja tudo aquilo que Deus planejou para ele.

E qual o resultado disso? O resultado é que assim o evangelho será vivido entre nós nas coisas simples da vida, apresentando um testemunho poderoso em nossa cidade. As pessoas verão que somos filhos de Deus, ficarão impressionadas como o nosso modo de viver e desejarão saber mais sobre o Deus a quem servimos.

O chamado de Deus para nossas vidas está nas coisa simples do dia-a-dia. Não há mágicas, não há rezas e mantras, não há poderes cinematográficos, não há fórmulas. O que há é o chamado desafiador de Deus para confiarmos que ele nos ajudará a viver de forma digna com a nossa vocação, o nosso chamado. Ele nos ajudará a viver vidas bonitas que honram a Ele e dão testemunho do seu poder.



[1] Edição Pastoral.
[2] A Mensagem.

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