19 julho 2012

Inclusão e controle


Um aspecto que considero positivo é exatamente a clarificação da terrível estratégia de exclusão generalizada para assumir o controle do processo de inclusão. Transformar em situação padrão a não participação (exclusão) das pessoas no bem-estar que Deus, a partir dos recursos naturais, franqueou a todos e em seguida se apresentar como quem inclui os excluídos (é claro que conforme seus próprios critérios) é uma estratégia de controle e manutenção de poder; não se trata de situação restrita aos sistemas políticos e modos de produção.

A mesma situação acontece no contexto da igreja quando o sacerdócio universal do crente é apagado do ensino prático da igreja, o sacerdotalismo (católico e evangélico) é considerado como padrão, e, em seguida, os sacerdotes-pastores apresentam políticas de inclusão e participação dos leigos. Como assim "inclusão"? O véu do templo foi rasgado de cima abaixo? A exclusão não foi banida da cruz e essa coisa de clero/laicato não foi partida em pedaços no gólgota? No entanto, são considerados avançados e beneméritos os sacerdotes que incluem os leigos. E aqueles que trabalham em prol da inclusão 
são os visionários, mesmo reforçando o paradigma de controle e poder .

Essa mesma estratégia leva alguns servidores públicos a criarem dificuldade para vender facilidade. O cidadão tem direitos assegurados em lei mas os desconhece (ou insanamente não se importa com eles). Os direitos, então, são "apagados" da relação servidor-cidadão como forma de controle da situação e manutenção de poder. A partir daí o servidor público que "conceder" aqueles mesmo direitos passa a ser "o cara" (mesmo tendo ele extirpado o direito do cidadão, concedendo-o em conta-gotas conforme o seu próprio critério). Os espertos, então, são aqueles que conhecem a pessoa certa para fazer-lhes um favor (reforçando o falso paradigma de controle e poder).

De forma idêntica, se a Diaconia, no contexto da fé cristã, esquecer que seu trabalho é restabelecer o direito natural ao bem-estar (a despeito dos regimes e políticos e modos de produção) e transformar-se em mero benfeitor da estratégia sistêmica de manutenção de poder pela pseudoinclusão, estaremos tão somente reproduzindo o modelo deste mundo; isso sim é mundanismo.

Jesus alertou seus discípulos que começavam a disputar o poder no colégio apostólico dizendo que o modo de ver o outro que se tornou padrão neste mundo é o da dominação, mas que no Reino dele é diferente; a relação que tem valor é a do serviço mútuo, porque essa é coerente com o direito natural de bem-estar concedido ao ser humano e que estava na mente do criador.


Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Diaconia e Cuidado" tendo como assunto "A nova mentalidade do 'moderno colonizado' ". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

Diaconia: aprendendo com o passado


Síntese do texto "Diaconia e cuidado: testemunhos dos primeiros séculos do cristianismo" escrito por Rodolfo Gaede Neto. Produzido dentro dos limites de forma exigidos pela EST - Escola Superior de Teologia como requisito da disciplina Diaconia e Cuidado. 

A proposta do texto é apresentar diferentes formas de “solidariedade e amor ao próximo” presentes na vida da igreja durante os primeiros séculos de sua existência. A relação das diferentes expressões é ampla e inclui itens como o sepultamento, que dificilmente seria identificado como expressão de amor e solidariedade em nossos dias.

Ágape

As refeições comunitárias realizadas pela igreja, que incluíam a celebração da Ceia do Senhor, era um dos elementos importantes na vida da comunidade cristã. Nos Ágapes as pessoas levavam alimentos e outros bens para partilhar e assim suprir os mais necessitados. Além disso, as reuniões faziam parte da prática hospitaleira da igreja, que acolhia os irmãos em viagem (a expansão do evangelho com os apóstolos apoiou-se nisso). Os Ágapes, antes de serem separados da Ceia do Senhor, possuíam a virtude de incluir as dimensões social e mística do amor.

Socorro em epidemias

São muitos os registros históricos que dão conta do trabalho realizado pelos cristãos durante as epidemias que varreram o mundo antigo. Enquanto outros abandonavam os seus para morrerem, os cristãos cuidavam sem distinção de cristãos e não-cristãos. Muitos irmãos morreram ao se exporem no ampara aos infectados e cuidado dos moribundos. Vários líderes se destacaram na organização desta ajuda, mas foi o povo cristão que se entregou em sacrifício vivo para oferece um pouco de dignidade àqueles que sofriam com a peste.

Hospitalidade

Em comunidades nas quais praticamente inexistia um sistema de hotelaria, a hospitalidade era prática comum (e desejada) entre os cristãos. Sem esse acolhimento era certo que os viajantes em trânsito dormiriam ao relento, ralves sem comida e expostos ao frio. A hospitalidade entre os cristãos certamente tem como pano de fundo as orientações veterotestamentárias, mas se fortaleceu e consolidou a partir da decisão dos irmãos de abrir suas casas e torna-las em locais de encontro e convívio, verdadeiras igrejas caseiras.

Caixa comunitária

Entre os cristãos do primeiro século, a partilha de bens não era algo obrigatório, mas espontâneo. Aqueles que desejavam doavam o que bem lhes parecia para servir de suporte aos necessitados. As doações eram recolhidas à “caixa comum” da comunidade. Eram contribuições livres e costumavam ser modestas. Segundo Tertuliano, as doações eram usadas para alimentar os pobres, sepultar os indigentes, socorrer os órfãos e as viúvas, sustentar os escravos idosos e amparar os náufragos, além de ajudar os que sofriam nas minas, ilhas e prisões.

Coletas

O cuidado dos cristãos em cada comunidade nos primeiros séculos se estendia às necessidades das outras comunidades espalhadas pelo mundo. Foi assim que muitas vezes foram realizadas coletas para enviar recursos aos irmãos que passavam por necessidades em outras cidades. Essa expressão de amor e unidade encontra-se exemplificada no relato da campanha que Paulo realizou entre as comunidades da macedônia (de origem gentílica) para amenizar o sofrimento dos irmãos de Jerusalém (de origem judaica).

Sepultamento

A ausência de um sepultamento digno não era incomum no contexto experimentado pela igreja dos primeiros séculos e assim como hoje era tido como algo vergonhoso e lamentável, punitivo mesmo (como no caso dos romanos que negavam aos parentes os corpos dos mártires executados). Neste contexto, os cristãos muitas vezes entenderam como Missão prover os pobres e desvalidos de um pouco de dignidade depois de suas mortes. O entendimento de que o corpo do ser humano criado por Deus às sua imagem e semelhança merecia respeito mesmo depois da morte levou os cristãos a fazer algo a respeito. Havia comunidades inteiras comprometidas com isso, mas, sobretudo, individualmente era que cada cristão fazia o que estava ao seu alcance, havendo entre os mais abastados quem abrisse seus sepulcros particulares para abrigar o corpo daqueles que nada possuíam.

Posicionamento Pessoal

Considero o texto um belo resgate das práticas experimentadas pela igreja em seus anseios por seguir os passos de Cristo, imitando seu procedimento. É impressionante a variedade de oportunidades de serviço que a igreja encontrou em meio a contextos adversos, humilhantes e opressores, ratificando o entendimento de que bem-estar e individualismo conjugados raramente produzem pessoas capazes de atitudes de honradez e dignidade.

Dentre as várias questões poderiam ser destacadas, quero apontar para uma comparação entre a destinação prioritária dos recursos da igreja naqueles primeiros dias e a forma como ocorre hoje.

Vê-se claramente que a igreja de então, mesmo pobre e sem muitos recursos, decidiu que o pouco que tinha seria destinado prioritariamente a ajudar, socorrer, apoiar, suprir, alimentar e, de várias formas, restaurar a dignidade inerente ao ser humano criado por Deus. Não havia espaço na mente daqueles irmãos para copiar as estruturas religiosas ou a suntuosidade dos cultos pagãos existentes à época. Não havia o desejo de formar e sustentar uma casta sacerdotal ou de erigir monumentos arquitetônicos em homenagem à fé.

Aqueles irmãos encontraram as brechas (que eram muitas) deixadas pela sociedade quanto ao usufruto do bem-estar concedido por Deus e agiram em prol das pessoas em atitude amor e consideração. O cenário pode ser diferente, mas a situação é a mesma: a concentração de poder e de recursos naturais nas mãos de poucos priva os demais de experimentar a vida abundante desejada por Deus. O que faz a igreja? Alia-se ao sistema opressor e sai em busca do seu naco de bem-estar? Ou revoluciona a história e rompe o paradigma em loucas expressões de amor, respeito e dignidade? Há muito aprendizado necessário à igreja de nossos dias na mera leitura da história e dos exemplos daqueles irmãos.

Diaconia e Cuidado


Síntese do texto "Uma reflexão sobre o voluntariado" escrito por Márcia Paixão. Produzido dentro dos limites de forma exigidos pela EST - Escola Superior de Teologia como requisito da disciplina Diaconia e Cuidado

Referências históricas

Começando pelas confrarias do deserto (ativas 3 mil anos antes de Cristo) e terminando pelas associações voluntárias no Brasil do século XIX, a autora procura relacionar referências históricas do serviço voluntário.

A autora destaca que a partir da era cristã, sobretudo com a conversão do imperador romano Constantino, o serviço aos necessitados, que antes era visto como um ato de caridade ganhou uma conotação de prática religiosa. Essa institucionalização do serviço ao próximo, segundo a autora, caracterizou-se pela mera prestação de assistência, sem envolvimento com a história do sofrimento do outro.

Ressalta o texto ainda que as questões levantadas pelos reformistas na Idade Média em relação a diversas práticas eclesiais equivocadas vieram confrontar também os excessos cometidos pela Igreja em nome da caridade. Por esse tempo a igreja havia incorporado as obras de caridade e as ordens religiosas pregavam o serviço ao próximo e o desapego aos bens materiais. Com a reforma a prática da assistência ganhou novo significado com um retorno da participação leiga, recuperando este aspecto das confrarias do deserto.

No Brasil as associações voluntárias marcam presença em meados do século XIX, quando surgem também as organizações seculares de assistência.

A ação de Deus

A autora compreende que a diaconia (serviço) que liberta e promove autonomia é impulsionada pela encarnação de Deus em Jesus Cristo. Para socorrer a humanidade, Deus se fez gente e experimentou a condição humana. Essa é uma prova inconteste de seu amor. Da mesma forma somos desafiados a amar como Ele nos amou, isto é, devemos receber com gratidão o amor de Deus e partilhá-lo fazendo-nos iguais daqueles a quem pretendemos servir, respeitando sua alteridade e buscando o bem-estar e a justiça para todos.

Assim como Deus provou seu amor na encarnação, é no amor prático que os valores e a fé são demonstrados. Esse caminho remete ao aprendizado permanente, à conversão diária que encontra em Jesus o exemplo e desafio. Servir, então, é promover libertação e transformação no cotidiano da vida humana em seus mais diversos aspectos. Diferencia-se assim a diaconia motivada pelas boas notícias do amor de Deus demonstrado em Cristo do mero assistencialismo motivado pelo amor e bem-estar próprios.

O voluntariado e o bem-estar social

A autora procura estabelecer uma definição para bem-estar relacionando-o ao nível de acesso aos elementos básicos de sobrevivência, como moradia alimento, lazer, educação e trabalho, bem como ao exercício dos direitos civis. Em seu entendimento o bem-estar produz no ser humano uma relação de harmonia interna e relacional, uma vez que haja a percepção de igualdade com as demais pessoas em nossa volta.

Destaca em seguida que esse bem-estar não é experimentado por muitas pessoas, privadas de acesso àqueles elementos básicos de sobrevivência. Segundo afirma, essa privação impede que se experimente a vida plena desejada por Cristo para todos, mas pode ser amenizada pelo exercício do trabalho voluntário baseado no amor de Deus e comprometido em denunciar e transformar as estruturas que cerceiam a justiça e a dignidade humana.

Segundo a autora, o voluntariado com base no amor de Deus só será eficaz se houver coerência entre os valores de quem serve e as bases do evangelho de Cristo. Em outras palavras, é preciso que aquele que serve sonde suas próprias motivações e encontre em suas ações o desejo de libertação e transformação da pessoa servida e do ambiente limitador que a mantém privada do bem-estar. Não se trata de apenas sentir-se bem ajudando, mas de comprometer-se com o bem-estar do outro.

A diaconia do voluntariado

Neste tópico, a autora inicia fazendo diferença entre “diaconia ampla”, que diz respeito ao serviço prestado pelo crente à luz do sacerdócio universal e mediante o exercício dos dons espirituais, e “diaconia específica”, que diz respeito ao “ministério ordenado da Igreja” na figura dos diáconos chamados para “exercerem este ministério na Igreja”.

Em seguida reforça a autora seu entendimento de que o serviço diaconal não é a mera ajuda com bens materiais e alimentos, mas atuação que visa libertar da opressão. Só assim a pessoa poderá “entender e viver a graça de Deus”, já que “o sofrimento anestesia a compreensão” tornando impossível entender a graça do evangelho.

Posicionamento pessoal

De forma geral parece-me que o texto se propõe a encontrar fundamentos bíblicos para uma atuação voluntária comprometida com libertação e transformação, sobretudo social. Considero o propósito de apresentar a diaconia além do mero assistencialismo algo valoroso, mas entendo que a autora fez considerações que merecem reflexão detida e aprofundada.

Seu conceito de bem-estar é quase materialista, não havendo espaço para uma espiritualidade que sobreviva à escassez, à desigualdade ou à opressão. Ocorre que muitas pessoas convivem e iram conviver com essas situações por toda a sua vida. Não está esquecendo a autora de ponderar afirmações contundentes de Paulo sobre viver contente em qualquer situação e que ele não se deixava guiar pelas circunstâncias? Essa materialização do bem-estar parece-me levar o pêndulo para o lado oposto, sem promover equilíbrio.

Penso que ao procurar levar a diaconia além do assistencialismo a autora arrisca-se a tornar o usufruto do bem-estar dependente da ação do diácono. Assim, para entender a graça divina e experimentar vida plena a pessoa em situação de opressão depende do “serviço de libertação diaconal”. Entendo que a história da igreja demonstra sobejamente que não devemos descartar o sofrimento como veículo da Graça de Deus.

Outra questão que merece reflexão é a manutenção do paradigma clero/laicato, levando a autora a criar as categorias ampla e específica para o serviço. Vejo essa questão como um desserviço ao entendimento, já sofrido em nossos dias, quanto ao sacerdócio universal do crente.

17 julho 2012

A falácia da inclusão


Quando a busca por poder e controle estabelece a naturalidade de uma situação de exclusão, para em seguida promover a inclusão (dentro dos limites do paradigma dominante), aquele que é chamado de vítima, ao se enxergar dessa forma, reforça o paradigma que negou sua natural inclusão. Assim, perpetua a relação dominador/dominado.

Nesse espiral paradoxal quanto mais se atua na direção de incluir alguém em um sistema de dominação mais se fortalece seu modo excludente de ser. A falácia é de que a dignidade vem como resultado de fazer parte de um sistema que foi estabelecido para limitar a dignidade.

Algo parecido acontece hoje em relação à conquista da dignidade por meio do consumo. As muitas vozes em todos os meios de comunicação propalam a ideia de que finalmente a dignidade do cidadão brasileiro está sendo resgatada. A tão falada classe C, antes excluída, agora começa a fazer parte do sistema. Isso significa que estas pessoas começam a ser incluídas para ter acesso ao bem-estar quem antes lhes era negado.

A classe C agora pode comprar o que antes era apenas "sonho de consumo". Eletrodomésticos, móveis, automóveis, eletrônicos, roupas, diversão, tudo está à sua disposição, aparentemente demonstrando que "nunca antes neste país" tantas pessoas foram resgatadas da sub-humanidade para um estado de dignidade humana. É a redenção pelo consumo.

Ocorre que esse modo de vida que valida as pessoas por sua capacidade de consumo não foi estabelecido para gerar dignidade, mas para alimentar o sistema de produção existente, em que se precisa crescer sempre mais para se tornar o dominador do mercado e assim saciar a sede de lucro de seus patrocinadores. O consumo com base na necessidade foi transformado em consumismo movido por anseio de dignidade e apresentado com redentor das gentes.

Nesse caso, penso que a promoção da dignidade e da cidadania se daria pelos valores invertidos do Reino de Deus que afirmam, entre outra coisas, que a vida de alguém não consiste nos bens que ele possui, que aquele que tem o suficiente para sua subsistência (o que comer, onde morar, o que vestir...) deve abrir espaço em sua alma para o contentamento, que as pessoas devem trabalhar para ganhar o suficiente para si e para ajudar quem esteja necessitado (não para acumular), que aqueles que tem alguém a seus serviço devem pagar salários dignos (e não retê-los para si).

No entanto, é mais comum entre os que deseja incluir os excluídos agir exclusivamente na direção de prepará-los para sobreviver no sistema e dar-lhes ferramentas para fazer arrancar a parte que puderem do bolo para si mesmo e seu conforto.

Chega a ser desanimador refletir sobre este estado de coisas, mas continuo crendo que o Bem prevalecerá e um dia, e cada vez mais, as estratégias de poder e dominação que negam o projeto de Deus para a humanidade serão expostas e ridicularizadas por Cristo, suas palavras e seus seguidores.

Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Diaconia e Cuidado" tendo como assunto "Vitimização e desigualdades são faces da mesma moeda". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

15 julho 2012

Sacerdotalismo Evangélico


Começo refletindo sobre o contraponto da proposição: clero e povo. O fortalecimento de uma casta sacerdotal é o que há de mais contrário a evangelho libertador de Cristo. Ressalto a questão pelo fato de entender que a simples necessidade de considerar o assunto dessa forma revela quão distante estávamos na época colonial e estamos hoje de experimentar as boas novas do Reino.

O cristianismo colonial luso-brasileiro, a despeito do entendimento de alguns, não inventou nada. Tão somente é herdeiro de uma mentalidade sacerdotal que dominou a religiosidade humana desde épocas imemoriais, serviu de arcabouço e esboço de fé na aliança de Deus com o judeus e foi reformada em Jesus a partir de seu entendimento de que não importa se a adoração é no monte ou no templo em Jerusalém (sob orientação sacerdotal); mas sim que seja em espírito e em verdade.

Nessa abordagem destaco os papéis ativo e passivo destinados respectivamente ao clero e ao povo. O sacerdotalismo bem pode ser visto como uma estratégia de manutenção de poder. É o sacerdote que sabe como a adoração deve ser feita, porque é ele quem sabe como Deus é e como gosta que as coisas aconteçam, portanto ele que está no controle; é o sacerdote que conhece os rituais, os sons, as cores, as palavras que devem e podem ser ditas, o que é bom e o que é ruim, portanto é ele quem deve conduzir o culto; é o sacerdote quem fala do jeito que Deus entende e por isso é ele quem fala com Deus. Ao povo compete a passividade de cumprir as orientações sacerdotais e tentar fazer tudo certinho, torcendo para que Deus não fique irritado caso alguma coisa saia diferente do esperado.

Não devemos nos enganar: o sacerdotalismo não é prerrogativa do catolicismo hierárquico e institucionalizado. Esteve presente nos povos antigos, entre os judeus e tem forte presença na igreja brasileira dita evangélica (reformada, pentecostal ou neo-pentecostal). Quem fala? Quem ensina? Quem ora? Quem se veste diferente? Quem tem destaque sobre os demais? Quem deve ser respeitado mais que os outros? Quem tem as palavras mais sábias? Quem deve ser seguido? O sacerdote!

Penso que a multiplicidade de dons e ministérios na efervescente e libertada igreja neotestamentária foi aos poucos sendo sufocada pelo retorno de um sacerdotalismo que, mesmo ferido de morte pelas palavras e vida de Cristo, ressurgiu alimentado pela natureza caída de um ser humano prepotente e sedento de poder. 

Quando a Graça multiforme de Deus, concedida pelo uso dos múltiplos dons do Espírito na diversidade da igreja é substituída pela confiança em um superministro sacerdotal que concentra em si a comunicação e o acesso à presença divina, a igreja sofre imensamente (como tem sofrido e parece que ainda irá sofrer por algum tempo), subsistindo aquém daquilo que o seu Senhor pensou para ela.

Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.