Começo refletindo sobre o contraponto da proposição: clero e povo. O fortalecimento de uma casta sacerdotal é o que há de mais contrário a evangelho libertador de Cristo. Ressalto a questão pelo fato de entender que a simples necessidade de considerar o assunto dessa forma revela quão distante estávamos na época colonial e estamos hoje de experimentar as boas novas do Reino.
O cristianismo colonial luso-brasileiro, a despeito do entendimento de alguns, não inventou nada. Tão somente é herdeiro de uma mentalidade sacerdotal que dominou a religiosidade humana desde épocas imemoriais, serviu de arcabouço e esboço de fé na aliança de Deus com o judeus e foi reformada em Jesus a partir de seu entendimento de que não importa se a adoração é no monte ou no templo em Jerusalém (sob orientação sacerdotal); mas sim que seja em espírito e em verdade.
Nessa abordagem destaco os papéis ativo e passivo destinados respectivamente ao clero e ao povo. O sacerdotalismo bem pode ser visto como uma estratégia de manutenção de poder. É o sacerdote que sabe como a adoração deve ser feita, porque é ele quem sabe como Deus é e como gosta que as coisas aconteçam, portanto ele que está no controle; é o sacerdote que conhece os rituais, os sons, as cores, as palavras que devem e podem ser ditas, o que é bom e o que é ruim, portanto é ele quem deve conduzir o culto; é o sacerdote quem fala do jeito que Deus entende e por isso é ele quem fala com Deus. Ao povo compete a passividade de cumprir as orientações sacerdotais e tentar fazer tudo certinho, torcendo para que Deus não fique irritado caso alguma coisa saia diferente do esperado.
Não devemos nos enganar: o sacerdotalismo não é prerrogativa do catolicismo hierárquico e institucionalizado. Esteve presente nos povos antigos, entre os judeus e tem forte presença na igreja brasileira dita evangélica (reformada, pentecostal ou neo-pentecostal). Quem fala? Quem ensina? Quem ora? Quem se veste diferente? Quem tem destaque sobre os demais? Quem deve ser respeitado mais que os outros? Quem tem as palavras mais sábias? Quem deve ser seguido? O sacerdote!
Penso que a multiplicidade de dons e ministérios na efervescente e libertada igreja neotestamentária foi aos poucos sendo sufocada pelo retorno de um sacerdotalismo que, mesmo ferido de morte pelas palavras e vida de Cristo, ressurgiu alimentado pela natureza caída de um ser humano prepotente e sedento de poder.
Quando a Graça multiforme de Deus, concedida pelo uso dos múltiplos dons do Espírito na diversidade da igreja é substituída pela confiança em um superministro sacerdotal que concentra em si a comunicação e o acesso à presença divina, a igreja sofre imensamente (como tem sofrido e parece que ainda irá sofrer por algum tempo), subsistindo aquém daquilo que o seu Senhor pensou para ela.
Texto extraído e editado a partir de minha participação no fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "História da Igreja na América Latina" tendo como assunto "Religiosidade, Piedade e Teologia na Época Colonial". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.
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