14 julho 2012

Conquista e Evangelização no Brasil


Síntese do texto "Temas da História da Igreja na América Latina: A Conquista e Evangelização do Brasil" escrito por Wilhelm Wachholz. Produzido dentro dos limites de forma exigidos pela EST - Escola Superior de Teologia como requisito da disciplina História da Igreja na América Latina.

O Discurso e a Prática Missionária

O autor apresenta três conceitos-base em relação à evangelização da AL e do Brasil: o primeiro deles parte do entendimento de que a cultura nativa encontrava-se imprestável e, por isso, era preciso começar “do zero”; o segundo identifica na cultura pré-existente elementos recuperáveis e tenta inserir-se no contexto cultural para comunicar; o terceiro considera os indígenas e sua cultura não apenas como objetos passivos da ação evangelizadora, mas como sujeitos ativos no processo.

No texto é caracterizado o discurso eclesiástico que veio junto com a colonização portuguesa. O espírito expansionista forjou uma igreja que não conhecia fronteiras para sua atuação, entendia-se responsável pelo doutrinamento dos povos pagãos e agia opressivamente, emulando o espírito belicoso comum às grandes navegações.

Conforme relacionado pelo autor, paralelo ao mundo das ideias sobre evangelização havia também experiências de evangelismo mediante completa imersão cultural e empatia dos evangelizadores com as lutas vividas pelos evangelizados.

No todo, compreende o autor que a evangelização no Brasil deu seus primeiros passos seguindo “as ‘pegadas’ do projeto colonial português”. Colonização e evangelização andaram juntas e muitas vezes foram confundidas.

Destaco o fosso existente entre o entendimento expresso por Paulo III em Sublimis Deus (1537) e a prática evangelizadora da igreja na AL. É necessário articular a fé, mas não é suficiente, porque fé é modo de viver. Acrescento que a percepção da evangelização como vivência, conforme relaciona o autor, exigiu não um tempo para escrever um texto, mas uma vida inteira de dedicação às pessoas: Gorzoni, 50 anos; Livorno, 31 anos e Encarnação, 30 anos. A fé imposta é estrangeira, a fé compartilhada é nossa.

O padroado

O padroado, uma simbiose entre os poderosos, foi responsável por um cenário em terras brasileiras no qual as ações evangelizadoras deveriam ser autorizadas, remuneradas e monitoradas pela coroa portuguesa e seus representantes. O salário dos clérigos, as ordens religiosas autorizadas ou o número de missionários admitidos, tudo era decidido de acordo com as necessidades do sistema colonial português. Desta forma, assim como no contexto político e social, o chefe da missão era o rei, não Papa.

O relacionamento de dependência e subserviência promovido pelo padroado, segundo sugere o autor, é corresponsável, na colônia, por uma relação paternalista com as instâncias de poder. Acresça-se a isso a mimetização pela igreja do modus operandi do sistema colonial, pelo qual as riquezas exploradas (também os dízimos arrecadadas) eram em parte devolvidas em forma de aliciamento (doações, privilégios e subsídios).

Entendo que os danos causados pela relação de dependência da igreja em relação ao poder econômico-político são imensos e se fazem presentes ainda hoje. A igreja aprisionada esqueceu a missão libertadora dos fracos e oprimidos e adotou a submissão aos caminhos da prosperidade dos poderosos. Acrescento o aprendizado malévolo do aliciamento mediante privilégios e da opressão como formas de relacionamento aceitáveis.

Os Ciclos Missionários

Seguindo os passos da colonização, o autor apresenta ciclos missionários: Litorâneo, Sertanejo, Maranhense, Mineiro, Paulista, Francês, Holandês e Inglês. Destaca-se participação das ordens religiosas conforme seu envolvimento em cada etapa e são pinçados eventos, fatos ou personagens que merecem ser ressaltados, no entender do autor.

Litorâneo (1549-1654). Destaca-se a participação dos Jesuítas, autorizados por Dom João II, que instalaram aqui o modelo de “colégio-aldeamento”. Desde sua chegada eles envolveram-se com os nativos e acreditavam na possibilidade da ordenação sacerdotal de brasileiros mestiços. Demonstraram apreço pelos idiomas indígenas e encorajaram que aqui se falasse o “brasílico” (uma mistura de idiomas da qual fazia parte o Tupi).

Sertanejo (1655-1760). Caracterizado pela necessidade de alimentar o engenho e supri-lo de mão de obra, neste ciclo o destaque é para capuchinhos e oratorianos. Eles não estavam vinculados ao padroado português e, por isso, gozavam de certa liberdade e trouxeram “o método e a teologia baseado no concílio de Trento”.

Maranhense (1615-1759). Marcado pela saída dos franceses de São Luís, neste ciclo há a participação de mercedários, capuchinhos, carmelitas, franciscanos e jesuítas, divididos entre as margens direita e esquerda do rio Amazonas.

Mineiro (a partir de 1700). De início tratava-se de uma missão leiga a partir dos ermitães, influenciados pela renovação espiritual no final do século XVII. Eles se contrapunham à desordem moral e ao luxo excessivo bancado pelo ciclo do ouro e pregavam a oração meditativa, a revalorização do sacramento da penitência e a vida austera. Seu trabalho alcançava brancos, mulatos, crioulos e negros.

Paulista (1554-1640). Caracterizado pelos conflitos entre colonos e indígenas na evangelização de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e na Região Sul. A descoberta de ouro arrefeceu o interesse da coroa em cristianizar os indígenas, já que havia mão de obra mais apropriadas entre as populações negras.

Destaco a oposição no procedimento de franciscanos e jesuítas. No descrever do autor, os primeiros são como “Profetas do Rei”, mantendo o status quo que os alimentava, enquanto os jesuítas mantinham seu foco nas pessoas.

Ressalto também que o sistema colonizador, com habilidade, usava cada ordem religiosa conforme sua necessidade expansionista. E as descartava quando o trabalho de uma ou de outra não se fazia necessário ou era considerado um estorvo. Atrelados e submetidos ao poder como estavam, aqueles irmão submetiam-se às migalhas, fazendo que lhes parecesse possível. Parece-me claro que, ressalvadas a exceções, o ímpeto missionário não tinha vida própria, mas rezava na cartilha do poder.

03 julho 2012

Espírito Santo e Batismo



Estou chegando com as discussões já a todo vapor, mas certamente não poderia deixar de tentar contribuir com minha posição sobre o assunto, que é controverso mas de suma importância.

Creio pela revelação da Palavra e pelo testemunho em meu próprio espírito que é pelo Espírito Santo (ES) que somos conquistados para Deus. Ele nos atrai, convence, regenera, encoraja, consola, corrige e nos preserva para o último dia. Portanto, não há vida em Cristo se não houver a ação poderosa do Espírito a produzir em nós novas pessoas outorgando-nos a posição de filhos e zelando por nossa caminhada com Cristo.

Entendo que a guerra de preposições (em, no, dentro, fora, ao redor... sei lá!) quanto à forma de atuação do Espírito não ajuda muito, mas confunde bastante. Essa tentativa de esquadrinhar os movimentos e atuações do ES vai contra a sua natureza (o vento sopra onde quer). Portanto me atenho à verdade simples de que o ES é o mover poderoso do Deus trino: ele age em todo o universo e sob todas as preposições que possamos imaginar.

Minha interpretação dos textos bíblicos me leva a compreender os eventos dos primeiros capitulo de Atos, quando o Espírito cumpre a profecia de Jesus (E também de Joel), como um momento peculiar e único no tempo. Nem os que experimentaram, ou mesmo os que relataram os fatos, o fizeram como se fossem normativos ou como exigência para isso ou para aquilo. Acho, portanto, que a leitura a posteriori em busca de regras e normas a serem aplicadas em todos os tempo é um caminho limitador; uma tentativa de controlar o agir de Deus.

Estou convicto de que o ES passa a habitar de forma plena e irreversível na vida daqueles que abrem mão de suas próprias soluções e depositam sua confiança, ainda que frágil, no amor de Deus revelado em Jesus Cristo. Neste momento, creio, aquele que se rendeu ao amor de Deus é mergulhado no Espírito Santo e selado para a eternidade (e ninguém o arrebatará das mãos Dele). Este batismo no Espírito é a porta de entrada para a comunidade daqueles que foram remidos pelo sangue do cordeiros, tiveram seus nomes escritos no livro da vida e receberam o selo da adoção que os permite falar: Abba Pai.

Ao ler os textos bíblicos (não apenas em Atos, mas também nas cartas paulinas) sou levado a concluir que o batismo nas águas tem grande importância simbólica daquilo que já ocorreu na vida do seguidor de Jesus: ao mergulhar, morte para o mundo; ao emergir, ressurreição para uma nova vida - a vida do ES em nós. Portanto não vejo no batismo em si qualquer comunicação de graça ou poder para remir pecados. Não desprezo, no entanto, o simbolismo que decorre do entendimento de que fomos regenerados como membros de um nova família e com ela assumimos compromissos e responsabilidades.

Entendo também que os seguidores de Jesus carecem profundamente da ação e do poder do ES para viverem sua nova vida. O derramamento do ES acontece de forma contínua na capacitação que recebemos para viver a vida de Cristo. Por outro lado, esse mesmo Espírito será percebido de forma especial quando somos empoderados e capacitados a proclamar com ousadia a mensagem do evangelho.


Aristarco Coelho


Texto extraído e editado a partir do fórum de discussão realizado no contexto da disciplina "Temas do Novo Testamento" tendo como assunto "Batismo no Espírito Santo". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

01 julho 2012

Salvação pela integridade?




Seu ponto de vista está começando a ficar mais claro, Simone, no entanto ainda tenho algumas dúvidas sobre o comentário anterior e outras que surgiram a partir de seu novo comentário.

Você apresenta a salvação como resultado de um mix de fé e vida íntegra, isto é, a pessoa precisa confiar em Jesus e apresentar determinados comportamentos, como integridade e retidão, para ser aceita por Deus. Embora compreenda, como já afirmei em outro comentário, que a fé produz uma vida íntegra que agrada a Deus, não posso concordar que a integridade é que resulta em nossa aceitação por Deus. Ele nos salvou por sua graça e misericórdia quando estávamos mortos em nossos delitos e pecados, portanto nosso nível de integridade era zero.

Acho que compreendi a relação que você fez entre fé e graça, mas tenho algumas restrições aos termos usados. Prefiro o entendimento de que a fé não é um instrumento para nos apoderarmos da Graça, mas sim um relacionamento de confiança crescente em resposta ao amor de Deus por nós; também acho que nosso contato com a Graça de Deus não se dá em termos de "apoderamento", como se o processo estivesse sob nosso controle, mas compreendo que somos alcançados por esta graça em uma iniciativa que não é nossa.

Não compreendi bem o que seria o "estado de graça" a que você se referiu nesse último comentário. Por outro lado, entendo que é a graça de Deus, expressa no amor em forma humana chamado Jesus, que destranca as portas da desconfiança para que minha resposta de fé seja possível. Assim, é a graça de Deus que conduz à fé, e é a confiança em Deus que resulta em salvação. Isto era assim no AT e é assim a partir de Cristo

É interessante este diálogo porque embora a palavras que estamos usando sejam as mesmas o significado que damos elas são diferentes. Ainda assim estamos juntos no propósito de caminhar com Cristo em novidade de Vida.

Aristarco Coelho




Texto extraído e editado a partir do fórum de discussão realizado dentro do contexto da disciplina "Temas do Novo Testamento" tendo como assunto "Exclusivismo, inclusivismo e pluralismo religioso". Fórum realizado dentro do formato proposta pela EST - Escola Superior de Teologia.

28 junho 2012

História da igreja na AL - Questões introdutórias


Síntese do texto "Temas da História da Igreja na América Latina: Questões introdutórias e periodizações" escrito por Wilhelm Wachholz. Produzido dentro dos limites de forma exigidos pela EST - Escola Superior de Teologia como requisito da disciplina História da Igreja na América Latina.

Igreja Encarnada: o Já e o Ainda não 

As indagações iniciais do texto repousam sobre a pertinência de uma “História da Igreja”. Fundamentado na encarnação de Jesus, que se submeteu à história humana ( Deus fazendo-se história junto com sua criação), o autor advoga que da mesma forma a natureza da Igreja não é etérea, mas encarnada, submetida aos processos históricos humanos. Assim, a igreja do primeiro século estava relacionada às circunstâncias históricas lá existentes, enquanto a igreja do século XXI é chamada a lidar com os desafios deste século. Conclui o autor que, portanto, não é possível “conhecer e compreender a igreja se não conhecermos sua história”.

Parece bastante razoável o entendimento de que a Igreja, feita de pessoas, está mergulhada na história humana e, portanto, será melhor compreendida à medida em que sua história é desvelada: cristo encarnado e igreja encarnada fazem parte da história e, por isso passíveis de estudo.

A História da Igreja no Contexto da Teologia

Após contrapor as posições de Bauer e Harnack de um lado e Karl Barth de outro, o autor apresenta sua posição sobre o questionamento a respeito da necessidade da História da Igreja para a Teologia. O ponto é semelhante ao anterior, advogando o texto que se Deus participa da história humana, dentro das limitações que ela tem, a compreensão histórica de sua encarnação é indispensável para a jornada em busca de conhecê-lo.

O ponto é que Deus, ao invadir a dimensão tempo e espaço, fez história, tornando indissociável a conexão teologia e história da igreja.

O Objetivo da História da Igreja

Depois de destacar os pontos de vista de Gerhard Ebeling (compreensão das Escrituras), Heinrich Bornkamm (o evangelho e seus efeitos no mundo) e Kurt Schmidt (Cristo e seu permanente agir no mundo), o autor apresenta como objetivo da História da Igreja ler a trajetória humana a partir do próprio Deus, integrando em um mesmo cenário histórico as ações humanas e as intervenções divinas.

História e sua Atualidade na Teologia

O texto aponta o iluminismo como marco a partir do qual a igreja passou a ser considerada como objeto histórico. Isso aconteceu, a despeito das muitas resistências, pela superação da dicotomia entre história profana e história metafísica. Considerações importantes do autor a partir de Alberigo e Wirth reforçam a inexistência de uma igreja fora do tempo e do espaço, a necessidade de rigor científico na abordagem histórica da igreja, a libertação do conceito de igreja do jugo da hierarquia institucional e uma teologia histórica a partir da fé rumo à libertação.

Conclui o autor ressaltando a história como disciplina ao mesmo tempo transformadora, uma vez que impulsione “a reflexão sobre a dignidade e valores da vida” e em transformação, uma vez que disposta a indagar o passado, alterá-lo conforme a verdade e assim refazer-se no presente para construir um novo futuro.

Uma História Religiosa ou não religiosa da Igreja?

O autor aborda de forma rápida a questão afirmando que não a história não ser correta ou legítima a depender do ponto de partida (motivação ou interesse do historiador). No entanto ressalta a necessidade de que seja científica em sua metodologia. O texto evoca uma cooperação entre historiadores crentes ou não.

Ressalte-se que ao tentar exemplificar a cooperação, o autor não foi muito claro quanto à contribuição do “cientista crente”.

Novos Paradigmas para a História da Igreja

Refletindo sobre a historiografia da Igreja na América Latina, o autor apresenta três questões básicas a serem consideradas: primeiro o zelo por uma história realmente ecumênica, depois uma necessária consideração produção que leve em conta o destinatário da história e por último a necessidade de uma historiografia que articule a prática da comunidade cristã.

Problemas para uma periodização da história da igreja na América Latina

Considera o texto que apesar de a história acontecer de forma contínua, para estudá-la faz-se necessário marcar limites e indicar etapas mediante a adoção de determinados critérios. A questão que se coloca, então, é qual deve ser o ponto de partida desses critérios: acontecimentos intra-eclesiásticos ou extra-eclesiais. O ponto de vista do autor é claro ao afirmar que os extra-eclesias acabam sobrepondo-se e que “não se deve imaginar uma periodização ‘puramente eclesiástica’”.

A CEHILA propôs em 1973 que a história da igreja na América Latina fosse tripartite quanto às épocas (1492-1808, 1808-1930 e 1930- ), que estariam divididas em oito períodos; Enrique Dussel (1984) apresentou outra proposta também tripartite, mas com alterações no corte e no critério: para as épocas foram usados fatores de ordem econômica enquanto que para os períodos a referência foi sócio-política.

Enrique Dussel, Eduardo Hoornaert e Alberto Methol Ferré apresentaram periodizações tripartites, embora tenham usado diferentes critérios. O autor destaca a crítica de Prien que se aplica aos três esquemas: não há referência ao antes da chegada dos europeus, o foco é quase exclusivamente no desenvolvimento da Igreja Católica e a leitura quanto à ruptura ao final da época colonial é tardia e deve ser localizada no Iluminismo.

Prien propôs, então, a seguinte periodização: 1. As bases étnicas, culturais e religiosas da AL; 2. O desenvolvimento do cristianismo latino-americano sob o signo do modelo da cristandade; 3. A crise da cristandade latino-americana na época do iluminismo e emancipação política; 4. Igreja e sociedade entre restauração e secularização; e 5. O cristianismo na época do ecumenismo e da crise dos estados oligárquicos nacionais no conflito do desenvolvimento.

24 junho 2012

Onde está o teu irmão?


Esta semana uma notícia no Jornal da Paraíba destacou a decisão do Conselho Tutelar de se fazer presente no maior São João do mundo, que acontece no Parque do Povo em Campina Grande. Entre outros, o objetivo é de coibir a venda de bebida alcoólica a crianças e adolescentes.

Parece-me que o comércio de bebida alcoólica para crianças e adolescentes pressupõe duas realidades: de um lado, meninos e meninas desejosos de viver a vida intensamente, ainda que irresponsáveis ou sem noção clara das implicações e riscos envolvidos; de outro, comerciantes dispostos a lucrar com um negócio capaz de destruir vidas humanas a médio e longo prazo, mas repleto de alegria no curto prazo.

Comerciantes vivem de comprar e vender, isso é claro, mas não deixo de me surpreender com homens e mulheres adultos, presumivelmente maduros, que em troca de uns trocados oferecem a crianças a chave capaz de abrir o caminho para uma vida de lamento e tristeza. Não têm eles mesmo filhos e filhas cuja a memória lhes sirva de freio? Não vêem o tempo todo gente destroçada pelo consumo abusivo de álcool? Não sabem ao menos que a lei proíbe colocar na mão de adolescentes uma droga capaz de produzir adicção?

É bem possível que a resposta seja sim para cada uma dessas perguntas, no entanto, não estão funcionando. Por quê? Parece-me que essas circunstância não são suficientes e de nada adiantam se não houver também o sentimento de irmandade.

Talvez meu ponto de vista fique mais claro se retornarmos ao episódio dos primeiros irmãos, Caim e Abel. Cometida a loucura contra seu irmão, Caim silenciou. Deus não. Ele se dirige a Caim e faz uma terrível pergunta: "onde está o seu irmão?". A pergunta, simples e direta trás consigo a compreensão de Deus para a vida que ele criou, de que somos responsáveis uns pelos outros. Caim compreendeu e reagiu tentando fugir às responsabilidades daquele chamado à irmandade: "Como posso saber? Acaso sou babá do meu irmão?".

Não somos responsáveis pelas decisões que outros tomam por sua conta e risco, mas somos completamente responsáveis por nossas decisões e o impacto que têm sobre os que nos cercam. Assim, ter a possibilidade de fazer o bem e não fazê-lo é tão terrível quanto fazer o mal. No entanto, para decidir pensando também nos outros, é necessária a convicção de irmandade, que é capaz de fazer brotar do fundo da alma um sentimento de corresponsabilidade.

Assumir essa irmandade não é invadir a privacidade ou interferir no livre-arbítrio de alguém, mas assumir uma postura de proteção aos outros em cada decisão que tomamos. No caso do comércio de bebida alcoólica para crianças e adolescentes isso significa decidir não vender, assim como quem nega uma tesoura afiada a uma criança pequena. É a convicção do risco e a atitude protetora que fazem com que um adulto responsável não pense em ceder ao choro, às reclamações ou à cara feia da criança que, de mãos estendidas, pede a tesoura.

É claro que há um preço para assumir a irmandade. Sempre há. Para os comerciantes é a redução dos lucros. Não é uma questão simples para quem vive de comprar e vender. No entanto, para manter intacta a consciência e exercer a irmandade, alguns têm-se contentado em ganhar menos e outros até deixaram seus negócios com bebida para buscar outras atividades. São decisões corajosas, mas sobretudo cheias de convicção de que decidir pelo que é certo sempre vale a pena e de que o bem comum é sempre preferível ao lucro manchado com o sofrimento alheio.

A alegria do maior São João do mundo não deveria arriscar o futuro de nossas crianças e adolescentes! O riso de uma geração não deveria custar o choro da seguinte! A pergunta, então, continua no ar, como a nos provocar: onde está o teu irmão? O que é feito do garoto a quem foi vendida mais uma dose? Onde foi parar a garota risonha na mão de quem foi colocado mais um copo cheio? Não somos, por acaso, nós, os protetores dos nossos irmãos?