Igreja Batista Videira, João Pessoa/PB - 02/09/2018
Levai as cargas uns dos outros
Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo. Gl.6.2
Como sabemos, Paulo se utilizou com frequência das cartas para complementar seu esforço missionário e evangelizador. Diferente de outras, esta carta foi escrita para as igrejas de uma região, a Galácia, e não para a igreja de uma cidade.
Impossibilitado de ir vê-los pessoalmente (uma viagem de 400km a pé), Paulo resolveu escrever para falar sobre as investidas dos judaizantes contra o evangelho da Graça de Deus em Jesus Cristo.
É que os irmãos daquela região, que haviam dados os primeiros passos da caminhada cristã pela fé em Jesus e guiados pelo amor gracioso de Deus, estavam sendo pressionados a aderir aos costumes e rituais judaicos, como as proibições alimentares, as festas cerimoniais e até a se circuncidarem como sinal de pacto com Deus.
Como o principal argumento era que a Lei de Moisés deveria ser obedecida integralmente pelos irmãos gentios, essa pressão dos irmãos judeus acabava colocando sobre os gentios exigências das quais Jesus já havia libertado todos, judeus e gentios.
Talvez, o que Paulo está afirmando é que aqueles que desejam cumprir uma lei deveriam cumprir a lei de Cristo (que é a lei do amor), e que uma das formas de fazer isso é levar as cargas uns dos outros, e não colocar sobre os ombros do irmão peso extra e desnecessário, como estavam fazendo os judaizantes.
Ninguém deve andar sozinho
Quando o apóstolo afirma que devemos levar as cargas uns dos outros ele dá como certo que não devemos levá-las sozinhos.
Infelizmente algumas pessoas tentam fazer isso. Acham que é um sinal de força espiritual não incomodar os outros com seus problemas. Essa é uma decisão corajosa, mas não é uma decisão sábia. Caminhar sozinho é o que faria um adepto do estoicismo (um movimento filosófico com viés religioso que tem causado dano ao cristianismo), mas não tem qualquer relação com o ensino de Jesus. Portanto, se você está ou esteve nesta direção, recomendo que saia dele e não volte mais.
Há também quem apresente argumentos bíblicos para justificar sua jornada solitária de fé. A ideia é que devemos confiar no Senhor (Sl 55,2) e que Jesus nos convidou para irmos a ele com nossos fardos (Mt 11.28) e que isso é suficiente para uma boa jornada cristã.
Certamente Jesus é suficiente. Mas os solitários da fé se esquecem de que o consolo, a orientação, a exortação e tudo mais de que precisamos quando sentimos o peso dos nossos fardos chegará através de nossos irmãos. O Senhor opera preferencialmente através das pessoas. Portanto, ninguém deve andar sozinho.
Cada um de nós pode recorrer à memória e se lembrar de um momento em que teve seu fardo aliviado pela intervenção amorosa de um irmão. O próprio apóstolo Paulo narra uma experiência neste sentido.
5 Porque, chegando nós à Macedônia, nenhum alívio tivemos; pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temores por dentro. 6 Porém Deus, que conforta os abatidos, nos consolou com a chegada de Tito; 7 e não somente com a sua chegada, mas também pelo conforto que recebeu de vós, referindo-nos a vossa saudade, o vosso pranto, o vosso zelo por mim, aumentando, assim, meu regozijo. (2 Co 7.5,6)
Todos temos fardos
Quando o apóstolo afirma que devemos levar as cargas uns dos outros ele dá como certo que todos temos fardos a carregar. Duas vezes nesta passagem e fala sobre carregar cargas. No verso 2 ele diz “Levai as cargas uns dos outros” e um pouco mais à frente, no verso 5, “cada um levará seu próprio fardo”
A aparente contradição é resolvida quando descobrimos o significado das palavras gregas utilizadas por Paulo: báros no verso 2 significa um peso ou fardo pesado, e phortíon no verso 5 é um termo comum para pacote, algo possível de ser levado.
Então, há responsabilidades que são suportáveis, pacotes que devemos levar. São obrigações que ninguém pode cumprir por outro, e tarefas das quais cada um de nós deve ser pessoalmente responsável. No entanto, há também os fardos pesados demais para uma pessoa carregar sozinha e que precisam ser compartilhados. Ajudar aos irmãos a carregar esses fardos é cumprir a lei de Cristo. A lei do amor.
Dentre os fardos pesados, que ninguém deveria tentar levar sozinho, está o pecado que nos assedia. É sobre ele que Paulo fala no primeiro verso desse capitulo.
Se alguém for surpreendido...
1 Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais deverão restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja tentado. (Gl 6.1)
Hernandes Dias Lopes, em seu comentário, esclarece que o termo surpreendido indica não se tratar de um caso de desobediência deliberada, isto é, rebeldia contra o ensino bíblico. A palavra grega paráptoma, “falta”, significa literalmente “pisar fora do caminho”, dar um passo em falso ou resvalar os pés num caminho perigoso.
Há duas coisas importantes aqui.
1) Todos estamos sujeitos à emboscada do pecado. Até mesmo aqueles que consideramos mais espirituais entre nós. Lembre-se de que Jesus, em sua oração, nos ensinou a pedir ajuda para enfrentar a tentação e livramento contra mal que há mundo.
2) Para quem segue a Jesus como seu Senhor e Salvador, cair na armadilha do pecado é um fardo muito pesado para se carregar sozinho. Quem cai na armadilha deve pedir socorro. E quem vê o outro cair? O que deve fazer?
O QUE FAZER
Vocês, (...) deverão restaurá-lo
A palavra que ele usa para corrigir (ou restaurar), katartídzo, era usada quando alguém realizava um reparo (em redes de pesca, por exemplo), e também para o trabalho de um médico que coloca um membro quebrado em seu lugar.
Barclay, explica que “toda a atmosfera da palavra enfatiza não o castigo, mas a cura; a correção é vista não como uma punição, mas como um remédio. E Paulo prossegue dizendo que quando vemos um irmão cair em uma falha faremos bem em dizer: ‘Se não fosse pela graça de Deus, seria eu’.”
John Stott, em seu comentário, nos ensina que se algum de nossos irmãos cair na armadilha do pecado não devemos permanecer inertes, sob o pretexto de não ser da nossa conta. Também não devemos desprezá-lo ou condená-lo em nossos corações. Nem tampouco devemos ir correndo contar ao pastor ou fazer fofocas com os outros irmãos. Devemos restaurá-lo. É nossa obrigação trazê-lo ao bom caminho de Cristo.
QUEM DEVE FAZER
Vocês, que são espirituais (...)
Quem são os crentes espirituais? Paulo diz que são aqueles que andam no Espírito, produzem o fruto do Espírito e são guiados pelo Espírito. O texto parece deixar claro que são esses é que devem tomar a iniciativa de cuidar daqueles que são surpreendidos pelo pecado.
Isso é tão importante que um outro comentarista, Adolf Pohl, observou que é Paulo dedicou à questão do pecado somente o primeiro terço do versículo 1, e os dois terços seguintes e os quatro versículos restantes foram dedicados a explicar quem deve corrigir. Isto é, o apóstolo parece preocupar-se mais com os exortadores do que os irmãos faltosos.
Aqui é preciso dizer que a Palavra de Deus não está falando de um grupo de elite espiritual dentro da igreja. TODOS os crentes devem e podem ser espirituais e, portanto, todos os crentes podem e devem ser instrumento de Deus para restaurar o seu irmão.
Mas se alguém não estiver sendo guiado pelo Espírito, andando no Espírito e produzindo o Fruto do Espírito ele pode produzir mais doença do que cura ao tentar ajudar alguém. Em outras palavras, como disse Jesus, é preciso primeiro tirar a trave do seu próprio olho para depois ajudar o irmão a tirar o cisco do olho dele.
COMO DEVE SER FEITO
...deverão restaurá-lo com mansidão.
A mesma palavra grega praótes usada aqui aparece em 5.23 como parte do fruto do Espírito, pois a mansidão é uma característica da verdadeira espiritualidade. Esse um dos motivos (Hernandes) por que apenas os cristãos espirituais devem se envolver no ministério da restauração.
A verdade é que (John Stott) a dureza, a insensibilidade e a hipocrisia não podem estar presentes no processo da confrontação. Precisamos ter a ternura de Cristo e a doçura do Espírito de Deus a fim de que a pessoa ferida pelo pecado possa ser curada e restaurada.
Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmão”. 2 Ts 3.15
Infelizmente, muitos que procuram viver a vida cristã com sinceridade jogam duro com as quedas dos outros. Há uma certa dureza no jeito em que alguns crentes tratam uns aos outros e isso precisa ser mudado. A mansidão é imprescindível para restaurar e naqueles que são guiados pelo Espírito ela nasce da percepção da própria fraqueza e da inclinação humana para o pecado.
CONCLUSÃO
Levar as cargas uns dos outros é um chamado para todos os crentes. Somos chamados a andar no Espírito e a vivermos relacionamentos harmoniosos uns com os outros. Não devemos nos “provocar uns aos outros” nem “invejar uns aos outros” (5:26), mas, antes, devemos “levar as cargas uns dos outros” (6:2).
Levar as cargas uns dos outros é cumprir a lei de Cristo. É uma expressão do amor mútuo, que Cristo deixou como um mandamento para nós. E porque é mútuo (amai-vos uns aos outros), não devemos andar sozinhos. Cristãos solitários são a negação do evangelho de Cristo.
Devemos reconhecer os fardos que a vida nos impõe e precisamos levar nós mesmo, fortalecidos em Cristo e pelo seu poder.
Também precisamos reconhecer que o pecado não é o tipo de carga que deva ser levado sozinho. Esse fardo precisa ser dividido. Portanto, aqueles que se virem presos à armadilha do pecado devem pedir ajuda e aqueles que virem o irmão preso devem correr para socorrê-lo.
O socorro é a restauração. Não há necessidade de fazer cara feia e dizer palavras duras com o passarinho que ficou preso na armadilha. A armadilha já está roubando-lhe a liberdade. Basta ajuda-lo a sair.
Devemos pedir ao Senhor que nos ajude na caminhada de fé para que sejam guiados pelo Espírito, andemos no Espírito e produzamos o Fruto do Espírito. Isso nos habilitará a cuidar bem dos nossos irmãos.
Porque todo trabalho de restauração precisa ser feito com brandura e mansidão. Isso é verdade em uma obra de arte, mas é ainda mais verdade quando estamos falando da vida de uma pessoa amada pelo Senhor.
Baseado em capítulo homônimo do livro Um por todos, todos por um, escrito por Gene Getz, traduzido por Ana Vitória Esteves de Souza e publicado pela editora Textus (1ª edição brasileira em setembro de 2000).