Natal do nosso jeito
Hoje teremos a oportunidade de conhecer melhor alguns
dos símbolos e tradições presentes no Natal. Talvez você se surpreenda com a
origem de vários deles e pode ser até que fique um pouco desconcertado com seus
significados mais antigos. Então peço que seja paciente e percorra esse caminho
passo-a-passo, porque o caminho pode ser espinhoso mas pretendo levá-lo a pastos
verdejantes e a águas tranquilas.
Para começar, talvez seja importante dizer que o Natal
como conhecemos hoje é uma coleção de símbolos e tradições de diversas épocas e
culturas. Dentro dessa panela tem coisas bem diferentes umas das outras como
árvores, sinos, estrelas, anjos e manjedouras. Esses símbolos e tradições foram
colecionados e costurados como uma colcha de retalhos.
Se fosse como a colcha com retalhos que a irmã Guiomar
fez seria ótimo! Mas a costura desses símbolos e tradições resultou em uma
cultura natalina nem sempre harmoniosa e agradável como é aquela linda colcha da
irmã Guiomar.
A Data
Vamos começar pela data. Na maior parte do mundo
ocidental o natal é festejado em dezembro, no dia 25. Já no oriente a igreja cristã
ortodoxa celebra no dia 7 de janeiro. Mas não há como saber através das
narrativas bíblicas o dia exato do nascimento de Jesus. Nem juntando os relatos
dos quatro evangelhos teríamos como chegar a uma resposta. No entanto, uma
coisa podemos afirmar sobre a data, não foi em dezembro. A conclusão decorre de
Lc. 2.8,9.
Havia pastores que estavam nos campos próximos e durante a noite tomavam conta dos seus rebanhos. E aconteceu que um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor resplandeceu ao redor deles; e ficaram aterrorizados. Lc 2.8,9 (NVI)
A questão é que em dezembro é inverno no hemisfério
norte e faz muito frio. Lídia, nossa filha mais velha, enviou imagens de neve
na cidade onde ela mora, no sul dos EUA. Faz dez anos desde a última vez que
nevou por aquelas bandas. Na região em que Jesus nasceu o frio no inverno é
insuportável para as pessoas e para os animais, então dificilmente os pastores
de ovelhas estariam nos campos cuidando de seus rebanhos.
A fixação da data em 25 de dezembro ocorreu por volta
do século IV. Nessa época houve uma conversão em massa ao cristianismo, por
imposição do imperador romano. Lotada de novos crentes, a igreja então
deparou-se com um problema: o que fazer com as grandes e tradicionais festas
que eram realizadas em dezembro, como a Saturnália (em homenagem ao deus
Saturno) e as celebrações do solstício de inverno (a festa do sol)?
Nessa época do
ano, é quando, no hemisfério norte, acontece a noite mais longa do ano, usada
para marcar o início do inverno. A partir desse dia as noites vão se tornando
mais curtas e os dias mais longos, o que era motivo de alegria e celebração,
porque era um sinal de que o rigor do inverno iria pouco a pouco diminuir.
Assim, num esforço para lidar com essa situação, os
líderes cristãos apresentaram uma nova razão para os festejos de final de ano: em
vez de cultuar a Saturno ou ao Sol Vitorioso que iria vencer a luta contra o
inverno, o povo foi chamado a cultuar a Jesus, o sol da justiça e luz do mundo.
A Disputa
Alguns acharam que não foi uma boa coisa o que foi
feito, porque aquelas conversões aconteceram por decreto do imperador, de
maneira que não havia muita gente disposta a mudar sincera e espontaneamente suas
crenças e deixar de adorar seus deuses para adorar a Jesus. Outros pensaram que
mesmo assim foi algo bom, porque a igreja ofereceu às pessoas o motivo certo
para adoração em vez simplesmente deixá-las enredadas em seu engano.
O entendimento dessa origem tensa das celebrações de
final de ano talvez seja suficiente para nos ajudar a compreender a mistura de
símbolos e tradições que acontece nessa data. De um lado, temos elementos
ligados às festas pagãs antigas que foram resignificados pela igreja; de outro,
há os elementos ligados à narrativa bíblica encontrada nos evangelhos. Juntaram-se
ainda a isso tudo, algumas tradições que foram-se formando com o decorrer do
tempo, sem ligação com as festas pagãs, e também outras de caráter meramente
mercantilista. Formou-se então a colcha de retalhos sobre a qual havia falado
antes (que nem de perto é parecida com a colcha feita pela irmã Guiomar.
SÍMBOLOS E TRADIÇÕES
Deixe-me agora tratar de alguns símbolos e tradições
natalinas. Como há muitos, escolhi apenas alguns. Em outra ocasião podemos
fazer um estudo detalhado a respeito de cada um.
Árvore de Natal
Talvez seja um dos ícones mais presentes atualmente no
natal. A tradição de usar árvores como símbolos é bem antiga. Os egípcios, bem
antes de Jesus, já usavam galhos verdes de palmeira dentro de suas casas. Os
povos indo-europeus árvores como símbolo da vida e os Druidas tinham o costume
de decorar velhos carvalhos para suas festas religiosas. Há várias versões
sobre como surgiu a “Árvores de Natal”:
(1) alguns comentaristas apontam para o século VIII na
Alemanha, quando S. Bonifácio teria proposto a substituição dos carvalhos (que
secam durante o inverno e eram dedicados ao deus Odin) por um pinheiro (sempre
verde no inverno e oferecido a Jesus);
(2) outros afirmam que o costume foi adotado pelos
cristãos também na Alemanha, mas no século XVI, quando as famílias começaram a
decorar árvores com papel colorido, frutas e doces;
(3) há também quem apoie que nessa mesma época Martinho
Lutero, impressionado com pinheiros cheios de neve debaixo de um céu estrelado,
reproduziu a cena em sua casa com galhos e velas.
A tradição chegou à Inglaterra, França e Estados
Unidos no século XIX e apenas no século XX foi abraçada pelos países da américa
latina.
Não há uma ligação direta entre a árvore de Natal e o
natal de Jesus. No esforço de dar novo significado a costumes antigos considera,
a árvore de natal, toda verde, como sinal da
vida que está em Jesus, a estrela no topo foi identificada com a estrela de
Belém, enquanto as bolas nela penduradas
significam os bons frutos oferecidos por Jesus à Humanidade. Já as velas ou luzes representam a presença de Cristo
como Luz que ilumina o caminho dos homens e aquece os nossos corações.
Papai Noel
Quanto ao Papai Noel, embora seja incerta, a história
mais comum entre os pesquisadores é que a ideia de um velhinho bondoso que trás
presentes na época de natal venha do século IV e seja inspirada em Nicolas
(Nicolau). Conta-se que seus pais tiveram dificuldades para ter filhos, até que
nasceu Nicolas. Dando graças pelo fato, eles passaram a distribuir alimentos,
roupas e dinheiro aos pobres, até que vieram a falecer devido a uma epidemia.
Nicolas herda a grande fortuna de seus pais, torna-se
bispo de Myra, na Ásia Menor, e continua o trabalho de ajuda aos necessitados. Ele
viveu na época do Imperador Diocleciano, em Roma.
Até o final do século XIX, o Papai Noel era
representado com uma roupa de inverno na cor marrom ou verde escura. Em 1886, um
cartunista alemão criou uma nova imagem para o bom velhinho. A roupa nas cores
vermelha e branca, com cinto preto foi apresentada em uma revista semanal mesmo
ano. Em 1931, uma campanha publicitária da Coca-Cola mostrou o Papai Noel com o
mesmo figurino criado pelo cartunista, que com as mesmas cores do refrigerante.
A bondade do velhinho certamente é um atrativo para
essa época de festas, mas, exceto por haver sido inspirado em um cristão
bondoso, não há conexão entre ele o natal de Jesus. Em torno do Papai Noel há
um conjunto de símbolos que nunca foram resignificados pelo cristianismo como
renas, trenós, duendes e até uma mamãe noel.
Não há um esforço visível para dar ao Papai Noel um
significado cristão. Possivelmente porque o universo em que ele vive não é um
adereço ou um complemento, mas concorre diretamente com a narrativa bíblica, ao
ponto de substituí-la.
Presépio
A palavra presépio refere-se o local onde o gado é
colocado ao ser recolhido, isto é, ao curral. Ele parece ser de longe o símbolo
natalino com mais conexões com o nascimento de Jesus, já que ele tenta mostrar
a cena descrita nos evangelhos.
Segundo alguns pesquisadores a história do presépio
remonta à Itália Medieval, lá pelo século 13. Foi nessa época que Francisco de
Assis, fez
uma pregação, em uma noite de Natal, acerca do nascimento de Jesus e decidiu
montar um cenário. A encenação apresentava o menino Jesus, Maria, José e os
reis em um presépio de palha rodeado por um boi e um. Um desses pesquisadores
afirma que:
“O presépio de São Francisco de Assis (...) Foi uma
maneira de ajudar a aproximar os fiéis, principalmente os analfabetos, que eram
boa parte da população. Daí por diante, os presépios tornaram-se símbolos do
cristianismo”.
Embora tenha cumprido um papel importante quando foi
proposto por Francisco de Assis, três séculos depois o presépio foi rejeitado
por alguns reformadores como imagens de escultura e idolatria. Essa rejeição
certamente incomoda alguns cristãos ainda hoje e os faz não aderir aos
presépios
Ainda há presépios grandes que são montados em algumas
cidades mundo afora, e nas igrejas, mesmo nas evangélicas, a encenação do nascimento
de Jesus tem espaço garantido nos cultos de natal. Mas a maioria dos presépios
hoje são pequenos enfeites em que aparecem: o bebê Jesus, a manjedoura, os
animais do estábulo, a estrela que apontou o lugar, os reis que levaram
presentes, os anjos que anunciaram o nascimento, os pastores de ovelha que o
visitaram e os pais do menino, Maria e José.
VIVENDO COM SABEDORIA
Bom, irmãos, nesse ponto é inevitável perguntar o que
fazer com tudo isso? É possível convivermos e servirmos juntos ainda que
pensemos diferente sobre essas questões. Deixe-me tentar ajudar. A base do meu
entendimento sobre essa pergunta é o texto escrito aos irmãos da cidade de
Roma, Rm 14. Vejamos:
1Aceitem o que é fraco na fé, sem discutir assuntos controvertidos. Um crê que pode comer de tudo; já outro, cuja fé é fraca, come apenas alimentos vegetais. Aquele que come de tudo não deve desprezar o que não come, e aquele que não come de tudo não deve condenar aquele que come, pois Deus o aceitou. Quem é você para julgar o servo alheio? É para o seu senhor que ele está em pé ou cai. E ficará em pé, pois o Senhor é capaz de o sustentar.
5Há quem considere um dia mais sagrado que outro; há quem considere iguais todos os dias. Cada um deve estar plenamente convicto em sua própria mente. Aquele que considera um dia como especial, para o Senhor assim o faz. Aquele que come carne, come para o Senhor, pois dá graças a Deus; e aquele que se abstém, para o Senhor se abstém, e dá graças a Deus. Pois nenhum de nós vive apenas para si, e nenhum de nós morre apenas para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor.
22Assim, seja qual for o seu modo de crer a respeito destas coisas, que isso permaneça entre você e Deus. Feliz é o homem que não se condena naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvida é condenado se comer, porque não come com fé; e tudo o que não provém da fé é pecado.
Reconheço que alguns irmãos rejeitam o dia 25 de dezembro
e todos os ícones natalinos e não desejam participar de festa alguma. Acham
tudo no mínimo desnecessário e alguns até ofensivo. Eles certamente são livres
em Cristo Jesus para pensar assim, porque não me parece ser essa uma questão
doutrinária central ou relevante para nossa identidade como filhos de Deus. No
entanto, Deus os chama a não condenarem aqueles que celebram o natal.
De outro lado, temos irmãos que se alegram nessa época
pela oportunidade de anunciar com liberdade o motivo da festa, que o Salvador
veio, e adornam suas casas de forma alusiva ao nascimento de Jesus. Esses
também são livres para pensar e agir assim. No entanto, o Senhor os chama não desprezarem o
entendimento e o desconforto de quem rejeita a festa e seus ícones.
No contexto coletivo, estou aqui assumindo o
compromisso de lidarmos com equilíbrio e sabedoria, respeitando os pontos de
vista individuais e trabalhando para que o amor de Deus encontre espaço para
amarmos nossos irmãos ainda que pensemos diferente sobre um ou outro assunto
periférico.
NA PLENITUDE DOS TEMPOS
“Mas pastor, se nem a data está certa e tem todas
essas questões... Será que vale a pena? Não era melhor deixar tudo isso de
lado?” É, eu sei que essas questões podem desanimar. Por isso, peço que você
saia comigo um pouco da discussão sobre a festa do natal para nos concentrarmos
no motivo da festa.
Mas, quando chegou o tempo estabelecido, Deus enviou-nos seu Filho, nascido de uma mulher, sob as condições da Lei, para redimir os que estavam sob o domínio da Lei. Assim, fomos libertados para sermos filhos que têm direito à herança. Uma vez que fomos adotados como filhos, Deus enviou o Espírito do seu Filho ao nosso coração, o que nos dá o privilégio de chamá-lo: “Papai!”. Essa intimidade com Deus é para vocês que são filhos, não para escravos. E, como filhos, são também herdeiros, com pleno acesso à herança. (Gl 4.4-7 AM)
Algumas traduções, falam sobre a “plenitude do tempo”.
Isso é algo maravilhoso, gente! A despeito das questões em torno da data para
comemorar o Natal, temos a garantia do texto bíblico de que o nascimento de
Jesus aconteceu exatamente no tempo estabelecido por Deus. Nem antes, nem
depois, mas no tempo certo.
A discussão em torno da data e das tradições ligadas
ao natal pode ser instigantes e provocar nossa curiosidade, mas o que realmente
importa é a razão do seu nascimento. Nessa carta escrita aos irmãos da Galácia,
Paulo nos ajuda manter os olhos fixos no motivo da festa.
Dentro do cronograma de Deus, no tempo estabelecido
por Ele, Jesus veio a esse mundo da forma mais natural que era possível,
nascido de uma mulher. Não veio buscar glória para si, não veio cobrar nada de
ninguém, não veio acusar ou condenar, veio para redimir o mundo. Segundo o
dicionário, redimir é (1) obter
novamente, (2) conseguir a libertação ou a salvação de outrem (3) tirar do
perigo ou da condenação.
Então, Jesus veio para livrar o mundo do beco sem
saída em que entramos com nossos próprias pés. Pensamos que a humanidade é
esperta e que daremos conta do recado por nós mesmos, mas estamos perdidos e
desorientados. Basta olhar pela janela para perceber que vivemos em um mundo
inclinado ao erro e à destruição.
Esse é o beco sem saída da desconfiança, da falta de
perspectiva para vida, da ausência de amor pelas pessoas, da mente atordoada, das
emoções fora de controle, do apetite desordenado (por comida, sexo ou
conhecimento); nesse beco por vezes estamos presos pelas correntes da arrogância.
Jesus veio oferecer uma porta de saída. Ele disse: “Eu sou a porta”.
A saída do beco começa quando reconhecemos nossa
incapacidade de sair com os próprios pés, decidimos confiar em Jesus e aceitar
a sua ajuda e orientação. Essa atitude é comparada por Paulo a um órfão que se vê
alvo do amor de uma família, se entrega aos seus cuidados, encontra ali um pai
amoroso e protetor que o trata como filho e que ainda faz esse órfão herdeiro
de sua herança.
Foi exatamente essa a boa notícia anunciada pelos
anjos aos pastores de ovelha em Belém.
"Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor. Lc 2.10,11