08 abril 2017

Reconcilação


Quando relacionamentos são quebrados não é possível que ocorra restauração com participação de apenas um dos lados. Todos os envolvidos precisam fazer o que estiver ao seu alcance. Mas diante da nossa incapacidade de caminhar primeiro para ele, Deus veio até nós! Ele agiu primeiro e moveu-se em nossa direção! Sem esse primeiro movimento de Deus nenhuma reconciliação poderia acontecer.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação. 20Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus. 21Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus. 2 Cor 5.18-21 (NVI)

       A segunda carta escrita pelo Apóstolo Paulo aos irmãos que moravam na cidade de Corinto possivelmente foi escrita por volta de 55 ou 56 dC, quando ele estava na Macedônia, durante seu caminho de volta a Corinto.

Diferente da primeira carta que aborda diversas questões ligadas à vida da igreja e ao relacionamento entre os irmãos, na segunda epístola a maior parte do texto é uma defesa a respeito de seu ministério como Apóstolo do Evangelho aos gentios. 

A segunda carta aos coríntios consiste de três partes principais: os primeiros sete capítulos contêm a defesa de Paulo sobre sua conduta e seu Ministério; a segunda parte (8-9) trata do levantamento de uma oferta para os irmãos pobres da Judéia; e a Terceira parte (10-13) contêm uma mensagem de reprimenda aos caluniadores existentes na igreja. 

Sempre muito questionado e criticado por seus contemporâneos, o Apóstolo aos Gentios foi quem articulou, de maneira mais clara e didática, a essência do evangelho de Jesus para aqueles que não são judeus, mesmo sendo ele um judeu de raiz.

       Hoje vamos ser apresentados a um conceito maravilhoso desenvolvido por Paulo que nos ajudará a compreender um pouco mais o evangelho: a reconciliação.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação.

Após lermos os versos 18 e 19 uma pergunta é inevitável: sobre o que o apóstolo está falando quando diz... ‘Tudo isso provém de Deus? ’ Permitam-me, já aqui no começo, abrir um breve parêntesis para constatar a importância de procurar um contexto mais amplo para entender aquilo que lemos na Bíblia.

Quando ouvimos mensagens em áudio ou vídeo pelas redes sociais, e os pregadores nos apresentam apenas uma pequena porção das Escrituras, não devemos nos dar por satisfeitos, mas ampliar o contexto para examinar de forma adequada o texto bíblico. Quem se contenta apenas com os farelos que caem da mesa dos pregadores certamente ficará malnutrido espiritualmente.

Uma leitura de todo o capítulo 5 é suficiente para percebermos que os versos que lemos são a conclusão de ideias que Paulo desenvolveu ao longo dos primeiros versos. Uma dessas ideias está nos versos 14 e 15.

14Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. 15E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.

É notório o entendimento do apóstolo de que a morte de Jesus teve o propósito de nos arrancar de um modo de vida autocentrado e nos levar para um viver centrado em Jesus.

        É maravilhoso que essa compreensão seja formulada por Paulo, alguém que vivia a vida em torno de si mesmo e de sua comunidade de fé. É maravilhoso porque Paulo não está falando de algo que ele apenas leu em algum lugar, irmãos. Ele escreveu a partir de sua própria experiência com o evangelho de Jesus.

Ele era ainda um jovem muito religioso pouco tempo depois da morte de Jesus, e estava na estrada, a caminho da cidade de Damasco, com o propósito de perseguir e prender qualquer um que fosse do Caminho, quando o próprio Senhor ressurrecto encontrou-se com ele. Aquele encontro mudou tudo! O homem que antes vivia para defender seu próprio ponto de vista sobre a vida, agora falava e defendia as ideias de Jesus, inclusive estava disposto a morrer fazendo isso?

Esse modo de vida centrado em Jesus, esse viver para Cristo, é tão transformador que nos tornamos realmente pessoas novas, novas criaturas. Esse novo viver é marcado por uma vida pacificada com Deus que avança em direção à eternidade.

Imagino que o apóstolo, olhando para esse novo viver, e talvez lembrando-se do apedrejamento de Estêvão e revivendo seu próprio zelo religioso cego, sua arrogância, sua natureza pecadora... viu brotar em seu coração um pergunta incômoda: de onde veio essa mudança em minha vida?  De onde vêm todos esses presentes que tenho recebido... paz para viver a vida, um coração grato e um destino eterno com Deus... Eu certamente não mereço. De onde vem isso tudo?

Um professor sentiu a falta de um menino que vinha frequentando sua classe na Escola Dominical. Agora, ele estava faltando há três domingos consecutivos.

Com esforço, descobriu que o menino morava no alto de um morro próximo à igreja, um lugar de difícil acesso. Foi perguntando a um e a outro até que descobriu a casa.

Quando se aproximou e ia bater à porta, recebeu uma pedrada na testa e sentiu o sangue descer pelo rosto. Ainda tentou identificar de onde o ataque viera, mas a dor era tão grande que tomou conta de suas preocupações.

Ferido na alma e machucado no corpo, o professor desceu o morro para fazer um curativo. Mas não se intimidou! Comprou de presente para o garotinho uma roupa, um brinquedo e voltou lá em cima. Ao chegar à casa de seu aluno, deixou os presentes, reforçou o convite para ir à Escola Dominical e voltou para casa.

No dia seguinte bem cedo alguém bateu à sua porta. O professor veio atender e ali estavam de pé um homem e um garotinho, o seu aluno, com os presentes na mão.

- Professor, viemos devolver o presente que o senhor deixou, disse o homem. Esse menino não merece! Sabe quem foi que atirou a pedra no senhor? Foi ele! Ele não merece receber esse presente.

A essa altura o garoto já estava chorando, envergonhado e sem defesa diante do que havia feito. O professor, então, abaixou-se e, olhando seu aluno nos olhos, perguntou-lhe:

- Você não gostou do presente?

- Gostei sim, professor, mas não mereço.

- Você não precisa do presente?

- Preciso sim, mas não mereço.

- Eu dei esse presente a você... não foi porque você o mereça, mas porque eu o amo e sei que você precisa dele.

De onde vem tudo isso? Tudo isso provém de Deus, responde o apóstolo! Foi dele a iniciativa! Foi ele quem primeiro nos amou e produziu em nós o amor agradecido que pulsa em nossos corações. Paulo, então, nos introduz ao assunto afirmando que essa nova vida transformada se tornou possível apenas porque fomos reconciliados com Deus.

Ora, reconciliação não é uma palavra estranha para nós. Ela faz parte do nosso dia a dia e aparece quase sempre depois de uma briga, uma desavença ou uma discussão. Quem é casado sabe bem que a reconciliação é algo que faz parte da vida a dois. Também os amigos sabem que as amizades só resistem ao tempo se a reconciliação fizer parte do relacionamento.

No conceito mais comum, tentar se reconciliara com alguém é dizer ou fazer algo que convença o outro a restabelecer um relacionamento rompido: um marido pode comprar flores... uma esposa pode fazer a comida predileta dele... um amigo pode dar um livro de presente... tudo para que o outro mude de opinião quanto ao rompimento. Resumindo, algumas vezes, a reconciliação é um esforço para mudar a outra pessoa ou para mudar o conceito que ela tem sobre nós.

O apóstolo Paulo, no entanto, nos apresenta um outro modelo de reconciliação. Ele afirma que o primeiro passo dado por Deus para nos reconciliar com ele não foi tentar nos convencer de que estamos errados ou mudar nosso conceito sobre ele, mas deixar de lançar na nossa conta o preço do nosso pecado.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo (...), 19ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, (...)

Quando relacionamentos são quebrados não é possível que ocorra restauração com participação de apenas um dos lados. Todos os envolvidos precisam fazer o que estiver ao seu alcance. Mas diante da nossa incapacidade de caminhar primeiro para ele, Deus veio até nós!

O que as Escrituras estão a nos dizer, irmãos, é que Deus agiu primeiro e moveu-se em nossa direção! Na cruz de Cristo, os pecados dos homens foram lançados na conta daquele que não tinha pecado. Sem esse primeiro movimento de Deus nenhuma reconciliação poderia acontecer.

A maioria das religiões do mundo afirmam que o ser humano está em desequilíbrio e precisa se encontrar. Os caminhos apontados por essas religiões podem ser diferentes, mas todos eles adotam aquele modelo de reconciliação pelo esforço em mudar o ânimo do outro, ou seja, ensinam formas de agradar suas divindades (inclusive aquelas em que a divindade é o próprio homem).

Desde as oferendas às forças da natureza, feitas pelas culturas animistas, até as novenas católicas e as correntes evangélicas, passando pelo auto aperfeiçoamento dos espíritas, todos estão se esforçando para convencer seus deuses de que merecem ser amados.

Por outro lado, o evangelho de Jesus é o anúncio de que isso nunca deu resultado e nunca vai dar certo. Esse esforço de convencer Deus a amá-lo é inócuo e desnecessário porque Deus já é amor! Por isso ele tomou a iniciativa da reconciliação. Nas palavras do apóstolo João: Nós o amamos, porque ele nos amou primeiro.

Acontece que às vezes somos como aquele menino da história, batendo na porta de Deus, culpados, sem justificativa para o que fizemos, devolvendo os presentes e dizendo que seremos bonzinhos daqui para frente.  Esquecemos que foi ele quem primeiro nos procurou e nos amou.

Hoje você precisa apropriar-se dessa verdade: a culpa pelas pedras que você jogou contra Deus foram colocadas na conta de Jesus, quando ele morreu na cruz do Calvário. Foi assim que Deus nos reconciliou com Ele!

Ministério da Reconciliação

Olhando ainda para os versos 18 e 19, vemos que quase ao mesmo tempo em que nos reconciliou consigo mesmo, Deus nos deu uma mensagem e nos incumbiu de um ministério: o ministério e a mensagem... da reconciliação.

18...e nos deu o ministério da reconciliação, 19...e nos confiou a mensagem da reconciliação.

Em nosso dia-a-dia, nem sempre as pessoas falam a partir de suas experiências pessoais. É comum no trabalho que um chefe dê ordens sobre o serviço que ele nunca fez. Ele pode dar boas orientações, mas às vezes nunca fez ele mesmo aquilo que está pedindo para ser feito. O método de Deus é diferente. Ele nos chamou para sermos ministros da reconciliação depois fazer tudo o que era necessário para reconciliar o mundo consigo mesmo. 

Na primeira fase da reconciliação, Deus dirigiu-se em nossa direção com seu amor e nos considerou justos, mediantes os méritos de Cristo, lançando na conta de seu Filho o preço do nosso pecado. Toda a iniciativa foi dele, todo o trabalho foi dele. E agora já não há, da parte de Deus, nenhum impedimento para que o ser humano se aproxime.

Da parte de Deus está tudo consumado. Foi isso que Jesus afirmou ainda pregado na cruz. O caminho está livre para ser trilhado, um novo e vivo caminho. O que mais há para ser feito, senão receber o presente? Na verdade irmão, há muito a ser feito. Somos chamados a anunciar a boa notícia: que o pecado foi perdoado, que a culpa foi lançada sobre o Cristo de Deus, e que uma nova vida está disponível para aqueles que se reconciliarem com Deus. 


O ministério da reconciliação encontra espaço no coração humano a partir de nossa compreensão de como é abrangente e poderosa a restauração que Deus coloca à nossa disposição. E para compreender o quanto é maravilhosa essa restauração operada por Deus, irmãos, é preciso começar com estrago que o pecado fez em nós.

Comentando sobre a reconciliação, Hernandes Dias Lopes, considerou que o pecado produz um abismo com muitas dimensões, um abismo que teima em nos isolar e nos manter distantes do projeto de vida que Deus preparou para nós.

‘O pecado divide, desintegra e separa. Ele provocou um abismo espiritual, pois separou o homem de Deus. Provocou um abismo social, pois separou o homem de seu próximo. Provocou um abismo psicológico, pois separou o homem de si mesmo, e provocou também um abismo ecológico, pois separou o homem da natureza, fazendo dele ora um depredador, ora um adorador dessa mesma natureza’.

É neste mundo cheio de abismos que nos separam e nos isolam uns dos outros que somos chamados para um ministério que é essencial para o evangelho: reconciliação.

Em que consiste esse ministério? Paulo o compara ao trabalho de um embaixador. O termo grego usado por Paulo aqui remete aos representantes do Império Romano que eram enviados às províncias em conflito a fim de administrá-las e trazê-las de volta à paz. Os embaixadores levavam às províncias rebeldes uma proposta de paz e um apelo que essa proposta fosse aceita.

20Portanto, somos embaixadores de Cristo, como se Deus estivesse fazendo o seu apelo por nosso intermédio. Por amor a Cristo lhes suplicamos: Reconciliem-se com Deus.

Os embaixadores romanos, quando chegavam às províncias, eram logo reconhecidos como representantes do império. Eles levavam consigo as insígnias do império. Suas comitivas levavam um estandarte com a bandeira o império, os escudos tinham o brasão do império e suas correspondências eram lacradas com o selo imperial. Esse símbolos eram o sinal de eles falavam em nome do Imperador, o que tornava possível que eles fossem ouvidos em um ambiente hostil.

Nós somos chamados a anunciar a boa notícia ao mundo e a suplicar, como faziam os embaixadores romanos, para que as pessoas aceitem a proposta de paz e se reconciliem com Deus. 

Porque as pessoas nos ouviriam, irmãos? O que podemos apresentar nas províncias rebeldes do mundo em que vivemos para que tenhamos o direito ao menos de falar em nome do Rei?

Ora irmãos, as insígnias do Rei Jesus em nossas vidas são nossas próprias respostas à reconciliação operada por Deus em nós. Quando estamos reconciliados com Deus, as pessoas em nossa volta não só permitem, elas até pedem que falemos em nome do Rei.

Se estamos reconciliados com Deus, nosso relacionamento com ele será cheio de confiança no seu amor e livre do medo. Isso é um sinal de que vencemos o abismo espiritual produzido pelo pecado.

Se estamos reconciliados em nossa vida interior, nossas limitações, falhas e pecados não mais nos atormentam, mas são colocados ao pé da cruz, enquanto somos transformados pelo Espírito de Deus. Isso é um sinal de que vencemos o abismo psicológico.

Se fomos reconciliados com as pessoas, nossos relacionamentos deixarão de ser centrados e nós mesmos. Seremos capazes de pensar no bem delas e de agir, às vezes até em prejuízo próprio, para que suas vidas sejam abençoadas. Isso é um sinal de que vencemos o abismo social.

Se estamos reconciliados com o mundo criado por Deus, exercemos nosso papel de cuidadores do jardim e a criação encontra em nossas vidas o lugar adequado: nem é destruída, nem adoradora, mas reconhecida como expressão do amor de Deus por nós. Isso é um sinal de que vencemos o abismo social.

18Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação,

Que o Senhor complete sua boa obra começada em nós de maneira que sejam embaixadores dele nas províncias rebeldes desse mundo, ministros da reconciliação, levando a maravilhosa proposta de paz que é o evangelho de Jesus Cristo, nosso salvador.

10 fevereiro 2017

Pedras em pães!


Você está aqui, em um mundo de concreto e asfalto bem diferente daquele em que Jesus estava. Ainda assim, a fome que lhe consome a alma e tão real quanto a que aperta seu estômago. Certamente neste deserto em que vivemos também há muitas pedras que podem ser transformadas em pão. 


Basta observarmos um pouco as pessoas em nossa volta para nos convencermos de que há muitas formas de se viver a vida, irmãos. Dentro e fora da igreja as opções de vida que alguém pode fazer são bem variadas.

Essas opções de vida brilham diante de nós como se fossem letreiros luminosos! E cada um desses caminhos tenta nos atrair para si mesmo e nos promete coisas interessantes que queremos. São caminhos que parecem bons à primeira vista, mas será que são os melhores caminhos para nós?

Há um texto nas Escrituras que reflete sobre essa situação. Está em Provérbios, escrito por Salomão e outros sábios:

Há caminhos que ao ser humano parecem ser as melhores opções de vida, mas ao final conduzem à morte. Pv 14.12

Toda vez que leio esse texto é como se eu fosse sacudido: Alô, Aristarco! Será que a direção que você está dando à sua vida é a melhor? Ei amigo, será que você não está enganando aos outros e a si mesmo? É chocante, mas o caminho que por um momento escolhemos como uma boa direção para nossas vidas pode ser, na verdade, uma grande armadilha. Pode ser um caminho de morte!

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Ela era muito feliz!

Jéssica, uma jovem de vinte e poucos anos, saiu da Indonésia e foi para a Austrália em busca de uma vida melhor. Ela tinha convicção e que essa mudança transformaria sua vida e abriria muitas portas para que sua vida fosse tudo aquilo que ela desejava. Na mesma época uma outra jovem, Mirna, também saiu da indonésia para Austrália.

Em janeiro deste ano, Jéssica assassinou a amiga Mirna em uma cafeteria de Jacarta colocando veneno no seu café porque a considerava uma pessoa feliz e foi condenada a 20 anos de prisão.

O juiz do caso afirmou que Jéssica tinha problemas pessoais, trabalhistas e sociais, e quando se encontrou com Mirna em dez/2015, e a viu tão feliz casada, pensou em assassiná-la. Jessica não demonstrou emoção ao ouvir o veredicto com sua sentença.

Acho que uma pergunta martelou a mente de Jéssica: porque ela tem o direito de ser feliz e eu não? Não é uma pergunta descabida. De certa forma, não é um clamor por justiça e igualdade? O que há de errado em desejar que o mundo seja mais justo e as pessoas tenham as mesmas oportunidades? A questão é: como esse caminho que parecia tão legal para Jéssica se transformou em caminho de morte?

Muitas propostas

Há muitas propostas para vivermos nossas vidas, irmãos. Há muitas maneiras diferentes pelas quais podemos passar nossos dias por aqui. Qual o caminho que devemos seguir?

    Devemos viver como se não houvesse amanhã?
    Devemos deixar a vida nos levar: vida, leva eu?
    Devemos tirar tudo que pudermos da vida?
    Devemos provar de tudo sem arrependimento?

Alguém pode pensar que não faz diferença se vivemos de um jeito ou de outro, que tudo isso é só uma questão de gosto ou de opção pessoal, mas a experiência confirma que a maneira como vivemos é determinante não só para o nosso futuro, mas também para o futuro daqueles que nos cercam.

As decisões que tomamos diariamente, a maneira como nos relacionamos com as pessoas, o jeito como resolvemos nossos problemas são testemunhos que refletem a novidade de vida a que fomos chamados por Jesus?

Momentos decisivos

Na maioria das vezes não temos controle sobre as circunstâncias de nossas vidas nem sobre os sentimentos que nos alcançam, mas sempre podemos decidir como queremos responder a eles.

O que fazemos nesses momentos de decisão define o tipo de pessoa que seremos. E nessa hora nossas crenças e convicções são como bússola que nos guiam por entre as muitas opções de vida que estão disponíveis diante de nós.

Assim como nós, Jesus também precisou resolver como ele ia lidar com as circunstâncias do dia a dia. Ele precisou decidir o que era mais importante que tudo em sua vida e descobrir como lidar com os dias difíceis... como responder ao medo... o que fazer quando ele se sentisse forte o poderoso... como responder aos sentimentos de insegurança...

Um desses momentos vividos por Jesus foi quando ele passou 40 dias no deserto (Mt 4.3). Ali ele tomou várias decisões. E enfrentou questões importantes sobre como ele iria viver sua vida.

Em quem confiamos?

Um dos desafios que Jesus enfrentou foi aconteceu quando ele estava faminto e fisicamente debilitado. Depois de ser privar voluntariamente de comida por tanto tempo, Jesus estava realmente com fome. Aproveitando aquela fragilidade, o tentador se pronunciou:

Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães. Mt 4.3

Será que o tentador tinha dúvida sobre quem Jesus era? Claro que não! Será que os anjos que testemunhavam aquela cena tinham dúvida sobre quem Jesus era? Certamente não! E Jesus tinha dúvida sobre quem ele era? Absolutamente não! Então, a questão ali não era sobre a identidade de Jesus, o assunto era outro. A pergunta nas entrelinhas era “você realmente confia no Pai? ”

Bastava uma ordem para que das pedras surgissem pães, mas Jesus não fez isso. Por quê? Sua fome era legítima e ele tinha o poder para fazer isso, por que ele não resolveu logo aquela situação? Ele preferiu confiar que aquela situação difícil e sofrida estava sob os cuidados do Pai e seria usada por Ele para o seu bem.

Veja que são caminhos diferentes, meu irmão:
O tentador propõe que você transforme as pedras de sua vida em pães e mate logo sua fome. Ele afirma que você pode ser o seu próprio herói. Não é preciso andar pelos caminhos desconhecidos de Deus, porque isso pode ser arriscado

A proposta do evangelho é que você não fuja do deserto pelas suas próprias forças, com seus esquemas e jeitinhos. É um chamado para você confiar naquele que o levou até o deserto. Por isso, a resposta de Jesus:

Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Mt 4.4

Jesus decidiu algumas coisas importantes ali. Sua vida não seria uma fuga das dificuldades. Ele não faria qualquer coisa para afastar os problemas, ele não rejeitaria o sofrimento como parte da vida. Ele decidiu confiar em Deus em meio aos problemas. Ele estava convicto que Deus estava cuidando dele, mesmo quando os dias não eram duros e difíceis.

Como você tem vivido sua vida de discípulo de Jesus? A quem você dá ouvido? Quem faz sua cabeça? A quem você recorre para tomar as decisões de sua vida? Ser um discípulo não é seguir os passos dele?

Há pessoas entendendo que ser discípulo de Jesus é receber um ticket de entrada para o céu. Estão garantidos para sempre, porque ninguém vai arrebata-las das mãos de Jesus! A eternidade é deles, e isso é o que realmente importa. O mundo pode despencar ao seu lado, mas ele não se abala. Famílias podem desmoronar à sua direita, jovens podem ser destruídos à sua esquerda, mas ele está seguro no Senhor. Eles já encontraram o Pão da Vida, isso é suficiente.

Outros há para quem ser discípulo de Jesus é ser filho do Rei e ter direito a tudo que um filho de rei merece. Profetizam bênçãos, decretam sucesso, revoltam-se contra tudo que lhes pareça ruim. Colocam Deus na frente de seus caminhos, como se ele fosse uma imagem de procissão, para garantir que tudo será como desejam. Para esses não há pedras no caminho, todas foram ou serão transformadas em pães.

Há também aqueles para quem ser discípulo de Jesus é vir para os cultos, participar dos programas da igreja, contribuir financeiramente, ler a bíblia sempre que possível, pagar as contas em dia e não dar trabalho para o pastor. Gente se acha tão certinha que não se mistura com qualquer um, não; gente que está morrendo de fome diante dos pães porque desconhece a provisão de Deus para uma vida abundante.

Fome de quê?

Ali no deserto a fome de Jesus era a mais básica de todas: fome de pão mesmo. No deserto de concreto em que estamos, a fome que temos às vezes é de outro tipo: de roupa (bacana), de tênis/sapato (legal), de carro (novo), de celular (moderno), de apartamento (maior), de emprego (seguro), de TV por assinatura, de plano de saúde.

Você está aqui, em um mundo de concreto e asfalto. Ainda assim a fome lhe consome a alma. Certamente no deserto em que vivemos também há muitas pedras que podem ser transformadas em pão e saciar sua fome. O que você vai fazer?

Carro (novo) – fazer um financiamento em 60 meses e depois cola um adesivo “Foi Deus quem me deu” no vidro traseiro! – Deus ou financeira?

É claro que não há nenhum problema em você financiar ou parcelar um bem que você deseja comprar. Esse é um recurso legítimo. A questão é se ao fazer isso você não está fugindo do deserto.

Porque às vezes o Senhor nos mantém em situações adversas porque quer nos ensinar algo. A privação daquilo que desejamos nem sempre é algo ruim, muitas vezes o caminho que Deus usa para aprendermos a submissão a sua vontade, aprendermos a ajustar nossas prioridades.

Então, veja só, quando você usa o crédito apenas para matar sua fome de possuir, e o usa além de sua capacidade de pagar, é como se você estivesse transformando pedras em pães para matar sua fome e sair logo desse deserto.

Celular moderno – comprar um usado em estado de novo pela metade do preço. Daqueles que já vem fotos e contatos (do antigo dono).

Qual problema em ter um smartphone de última geração? Nenhum problema. Eles podem ser muito úteis na vida corrida que temos. Mas será que você não está fugindo do deserto quando compra um aparelho de procedência duvidosa pela metade do preço?

Um discípulo de Jesus não deveria ter restrições quanto à origem dos bens que compra? Ou não faz diferença para nós se estamos alimentando uma cadeia de crime e violência? Aliás violência que volta contra nós mesmos?
Perceba então, que ao comprar um smartphone de origem duvidosa apenas para matar sua fome de celular moderno é como se você estivesse transformando pedras em pães, para ver se acaba logo esse deserto em que sua vida se transformou.

Eu me pergunto: um discípulo de Jesus deveria colocar um smartphone como uma prioridade tão alta em sua vida que o faz colocar de lado o fato que está participando de uma cadeia criminosa de venda de objetos roubados?

Apartamento – comprar comprovante de renda e declarar renda formal maior que a verdadeira. Pedir emprestado um nome de um parente.

Não há qualquer problema em desejar morar numa casa melhor, ou em um apartamento mais amplo. Tem onde morar de forma digna é um direito e morar bem é um desejo legítimo. Agora, forjar uma renda maior que o seu rendimento mensal para se enquadrar no financiamento certamente é transformar pedras em pães.

São muitas as pessoas que fizeram isso e agora não têm como pagar as prestações do mês. E alguns deles com que converso ao telefone que dizem assim: “Em nome de Jesus, eu não perder minha casa. Deus na frente! Vai dar certo! ”.


O que leva esses irmãos a pensar que Jesus estava como eles enquanto eles compravam uma declaração falsa de rendimento com um contador “amigo”? Um discípulo de Jesus deveria fazer como ele dizer: “nem só pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor.”

Uma variante que parece mais aceitável é quando se pega o nome de alguém emprestado para financiar, fazer empréstimo ou financiamento. Normalmente, quando você não consegue fazer no seu nome é porque sua renda não é suficiente ou seu cadastro não foi aprovado. O próprio sistema está dizendo que você não está em condições de contrair dívida.

Aí você vê as pedras e ouve a voz do tentador dizendo: “se tu és filho de Deus, como isso pode estar acontecendo contigo. Você é um vitorioso, porque você vai ficar aqui passando por essa situação difícil? Transformas as pedras em pão!”

Ao tomar emprestado o nome de alguém para fazer dívida, você está transformando pedras em pães e trazendo para sua vida grande possibilidade de brigas, desavenças, discórdias e até de rompimento dos relacionamentos familiares envolvidos e de amizade.

Eu volto a me perguntar: não deveria um discípulo de Jesus prezar pela verdade, regularizar suas dívidas atrasadas, limpar seu nome no comércio e comprar apenas aquilo que cabe dentro de seus rendimentos?

Mas para isso, irmãos é preciso confiar que o Senhor está no controle de todas as coisas inclusive no meio das dificuldades. É preciso acreditar que os sofrimentos, as ausências e os desejos não realizados fazem parte da vida. Em todas essas coisas o Senhor tem muito a nos ensinar sobre submissão, confiança e contentamento.

TV por assinatura – contratar os serviços daquele técnico que vende, ele mesmo, o pacote completo da NET: la garantia soy yo!

Qual o problema em ter o pacote completo da TV por assinatura? Claro que não tem nenhum problema. Se você tiver Telecino em HBO no seu pacote e quiser me chamar para assistirmos um bom filme juntos, pode preparar a pipoca.

Em muitos bairros, a venda desses pacotes completos e controlado por milícias que também controlam a venda de gás e cobram pela proteção das ruas. Verdadeiros império do crime!

Toda vez que alguém compra um pacote completo de TV por uma ninharia, faz um gato de energia, autoriza uma ligação clandestina de água, molha a mão do guarda de trânsito, compra carteira de motorista, arranja um atestado médico para o trabalho é como se você estivesse transformando pedras em pães.

Por que não?

Se você pode transformar pedras em pães, por que não fazer? Porque quando transformamos pedras em pães, estamos perdendo a oportunidade de confiar no Senhor, de experimentar o cumprimento da promessa que ele nos fez de nos consolar e animar em meio ao sofrimento, dor, angústia, amargura e tristeza que são plantadas em nossas almas por esse mundo caído em que vivemos.

Transformar pedras em pães pode parecer uma boa saída para sair logo do deserto, mas um caminho de morte é. A vereda da vida a que somos chamados pelo Evangelho, vereda estreita e pedregosa, é permanecer no deserto suportar as fomes que nos assediam e confiar na palavra que procede da boca de Deus: estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos.

Lembra da Jéssica, que matou a amiga porque não suportou a felicidade dela? E se a Jéssica tivesse enfrentado o deserto em que ela estava de outra forma? Se ela conhecesse o amor de Deus? Talvez ela haveria dito NÃO para a proposta de transformar pedras em pães. Sua fome de felicidade continuaria, mas ela teria recebido o consolo da presença de Jesus e, quem sabe, teria sido socorrida por anjos em suas necessidades.

A renovação da mente

Concluo nossa reflexão dessa noite, irmãos, dizendo que que estou convicto de que somos chamados, como discípulos de Jesus, a permanecer no deserto até que o nosso Deus, que nos pôs lá, nos tire. Ele conhece nossa estrutura e sabe exatamente o que precisamos aprender e como vamos aprender.

 Transformar pedras em pães vai nos tornar autossuficientes e arrogantes, donos do nosso destino, senhores de nossas vontades, distantes e descrentes no amor dele por nós.

Devemos permanecer em nossos desertos até que o Senhor nos ensine tudo que precisamos aprender, mas isso só será possível se estivermos rendidos à convicção profunda de que o amor de Deus por nós não é medido pela abundância pão, como sugere o tentador, mas pelo fato de Cristo, o Pão da Vida, nos ter reconciliado com o Pai e nos dado vida nova e eterna.

Precisamos permitir que nossa maneira de pensar, isto é, a forma como entendemos o mundo, seja mudada. Você não pode ser a mesma pessoa e pensar do mesmo jeito depois que Jesus para a ser o seu Senhor.

A nossa mentalidade, isto é, nossas convicções, opiniões e opções de vida precisam transformadas mesmo, pela renovação constante que o Espírito realiza através da Palavra de Deus. É isso que o apóstolo Paulo afirma na carta que escreveu aos irmãos da cidade de Roma:

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Rm 12.2

As pedras estão por todo lado! E a todo momento alguém repete a fala do tentador: “se tu és filho de Deus, transforma estas pedras em pães”. Mas quando essas propostas encontram em nós uma mente renovada pelo Espírito, fortalecida pelas convicções do amor de Deus e confiante no exemplo deixado por Cristo Jesus, podemos fazer como ele e dizer:


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Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Mt 4.4