10 junho 2012

Você é um dos nossos?

Uma das coisas que me aborrecem na igreja evangélica é o olhar excludente com que a sociedade é observada por alguns. Não falo de fora. Sou evangélico, nascido em berço evangélico e por isso me sinto livre para falar; porque me incluo a cada palavra dita. Somos excludentes quando estabelecemos certos padrões comportamentais que usamos como critérios para julgar as pessoas e também condená-las. Diga-se, de passagem, duas atitudes que não encontravam lugar na vida de Jesus.

Vou tentar explicar meu ponto de vista começando por coisas simples: roupas, cortes de cabelo, adereços e coisas do gênero. Quando as pessoas da igreja se utilizam do tipo de vestimenta usado por alguém para validar a relação dessa pessoa com Deus está em ação o espírito de exclusão. A questão é que não importa qual é a roupa que alguém está ou não vestindo, não importam a cor ou o corte de cabelo, não importam os adereços que se usam pendurados ou perfurando o corpo: não é nessas coisas que se define a relação de algum com Deus!

O sujeito pode usar um alargador do tamanho de um pneu e ser alguém temente a Deus, que desenvolve uma vida de confiança no Pai de uma maneira que eu, e você que me lê, nunca experimentamos. A mocinha pode usar toda a maquiagem que conseguir colocar no rosto e ter um coração obediente e rendido aos pés de Cristo. Não há incompatibilidade necessária nessas situações! Deus não observa a aparência dos comportamentos, mas a inclinação do coração.

No entanto, existe um raciocínio tacanho, apequenado, corrente entre o povo evangélico, que abriga o que vou chamar de "espírito de exclusão". Esse raciocínio é responsável por uma espécie de soberba tola e tem origem em interpretações meia-boca dos textos bíblico distribuídas aos montes por pastores da auto-ajuda que se especializaram em manter alto o "astral" do povo de Deus.

É o espírito de exclusão que divide as pessoas entre "nós" e "eles"; põe uma divisória de separação e nela uma porta com visor de vidro, chave e trinco por dentro (do lado evangélico). Lamentavelmente, do lado de dentro a ocupação de muitos é olhar pelo vidro da porta e observar, pelo comportamento, aqueles mais necessitados de salvação para oferecer-lhes a oportunidade de sair do lado de lá para o lado de cá da sala. Isso não se parece nem um pouco com o modus operandi de Jesus de Nazaré!
Estabeleceu-se uma cultura de auto-exaltação que leva parte dos evangélicos a se sentirem investidos do tipo de superioridade que foi duramente criticada por Jesus nos religiosos de sua época. Para ele a oração sincera do publicano era melhor que os arroubos do fariseu; os serviço desinteressado do samaritano era muito melhor que o zelo religioso dos mestres da lei e do templo; o perfume de arrependimento da prostituta, melhor que a superioridade dos "homens de bem".

Essa exclusão às vezes se apresenta de maneira chocante, como o sentimento de quem olha para homens e mulheres que deixaram exemplos dignos para a humanidade mas não é capaz de conceder-lhes a honra devida. Ao invés disso, abre-se a boca para frases infelizes do tipo: "...mas não era um crente, não vale nada!". Como se tornou rasteira nossa percepção sobre o agir de Deus no mundo e na vida das pessoas! E como são reduzidas as formas pelas quais reconhecemos válida a aventura de caminhar com Deus!

O sujeito escreve um artigo esplêndido denunciando a opressão sofrida pelas crianças em campos de trabalho forçado. Não seria ele uma voz profética? Mas se não for membro de alguma igreja evangélica, ele e sua obra pouca coisa valem. Um outro compôs uma belíssima canção que fala do valor da amizade. Não seria ele um salmista? Mas como não é crente ele e sua canção são vãos vistos com olhares atravessados. O vizinho dirige uma empresa com sensatez e com sabedoria mantém o emprego de milhares de pessoas produzindo bens e serviços úteis à sociedade. Não seria ele um bom mordomo? Mas como ele não frequenta os cultos de domingo...

Não é válido e digno de honra o compromisso com a parte da vida eterna que começa aqui neste mundo? Como é que fomos parar nesse buraco?! Parece que estamos treinados a olhar o ponto escuro na folha branca de papel. Imagine se Deus fizesse isso conosco! Não restaria ninguém em pé diante dele!

João, o batista, denunciou fariseus e saduceus que achavam sua situação privilegiada porque eram descendentes de Abraão dizendo o seguinte: "e não comeceis a dizer entre vós mesmos: temos por pai Abraão; porque vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão."

Às vezes penso que o povo evangélico acabou sucumbindo a uma religiosidade de escambo e nessa relação de troca com Deus é consumido pelo medo de Deus ser injusto nesse negócio. É um raciocínio semelhante ao que Jesus denuncio ao contar a parábola de um homem que contratou logo cedo trabalhadores para o seu campo e acertou com eles o valor da diária. Acontece que no decorrer do dia, ao meio dia e ao final do dia, ele recebeu novos trabalhadores. No final do expediente, aquele homem pagou a todos os trabalhadores a mesma quantia.

Não é justo! - Disseram aqueles que chegaram cedo pela manhã. E realmente não é! É graça! Mas ao invés de celebrar a bondade graciosa do patrão, que pagou aos que chegaram depois o mesmo que receberam os do começo do dia, eles preferiram a comparação e se julgaram mais merecedores. Acharam-se mais dignos e reclamaram com o dono do campo (ainda que tenham recebido exatamente o que lhes foi prometido).

O próprio Jesus afirmou que não veio julgar este mundo, mas salvá-lo. Não somos juízes! Não fomos chamados a proferir sentença sobre ninguém! Formos chamados a testemunhar sobre o amor de Deus provado pelo fato de que Cristo morreu por nós, mesmo pecadores como somos (todos).

06 outubro 2011

Na biblioteca


Gosto de ler. Nas últimas semanas tenho usufruído de boas horas de leitura na biblioteca da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Trata-se de um prédio grande de três pavimentos, com uma razoável área de leitura, bem conservado, não tão bem iluminado, mas limpo.

Depois de experimentar o térreo e o primeiro andar, refugiei-me várias vezes no segundo andar. Lá é possível usar umas escrivaninhas que têm espaço suficiente para espalhar alguns livros e privacidade para se concentrar nos estudos. Além disso, em obediência à lei do menor esforço, normalmente, ali a concorrência pelos locais de leitura é menor.

Em cada andar do edifício há uma espécie de ponto de apoio e esclarecimento aos usuários da biblioteca. Dois funcionários trabalham ali. Pelo que percebi, um deles tem a função de ajudar os alunos a encontrar as obras desejadas; o outro é responsável pela reposição dos livros às prateleiras corretas (algumas vezes no dia ele dirige um carrinho abarrotado de livros a devolver cada mestre ao seu lugar de descanso).

Por todo o salão de estudo há placas lembrando que o silêncio deve ser mantido. Sem dúvida, ali, o silêncio é necessário; não só pelo propósito do ambiente, como nas demais bibliotecas, mas ali especialmente porque o prédio e todo de concreto (paredes e pisos), criando um ambiente em que o som se propaga com bastante facilidade. Ao ponto de apoio cabe a responsabilidade de zelar pelo silêncio.

Um dia desses cheguei e me dirigi diretamente ao segundo andar, ao final do salão, à escrivaninha que fica próxima aos corredores de livros formado por prateleiras de aço. Nem cinco minutos se passaram e o silêncio do ambiente foi quebrado por uma gargalhada ruidosa, seguida de frases curtas, seguidas de novas gargalhadas, seguidas de... Bem, era possível distinguir duas, talvez três vozes que vinham da direção do ponto de apoio.

Esperei alguns minutos na esperança de que o silêncio voltaria a frequentar o lugar que lhe era tão pertinente. Não aconteceu. Gargalhadas seguiam-se a frases curtas, a que se seguiam novas gargalhadas. O que fazer quando aqueles que são investidos de autoridade e se tornam, em algum aspecto, responsáveis em zelar pelo bem estar das pessoas não cumprem o papel que lhes cabe?

Sentado ali, sem conseguir me concentrar, olhei em volta para ver se o incômodo era só meu ou se mais alguém também não conseguia ler com aquele barulho. Não foi animador. Todos pareciam bastante concentrados; alguns de cabeça baixa sobre os livros nem podiam ser vistos por trás das escrivaninhas. Ninguém parecia dar a mínima para a situação ali. Esperei mais alguns minutos e a conversa no ponto de apoio continuava um pouco mais animada.

Bem, eu poderia ficar quieto no meu canto e me esforçar um pouco mais para me concentrar na leitura. Quem sabe assim poderia me desligar daquela situação incômoda e mergulhar mais profundamente ainda em minhas leituras. Acho que alguns dos meus companheiros ali tomaram essa decisão. Afinal de contas não era eu o responsável por zelar pelo silêncio, embora o fim dele não estivesse ajudando em nada minha tarde de leitura.

Outra saída. Permanecer sentado, recorrer à minha formação cristã e, movido pela fé, orar a Deus pedindo que ele interviesse de uma forma que eu não saberia pedir para por fim àquela barulheira. Não sei dizer se algum dos meus companheiros de leitura naquela tarde fez isso, mas é possível que sim. Seria legítimo e para algumas pessoas uma saída que apazígua a alma à medida que a responsabilidade passa a ser de Deus; a vontade de Deus será realizada. Não encontrei fé apropriada para agir assim naquele momento.

Já irritado com o barulho, pensei na seguinte possibilidade: levantar e perguntar em voz alta se mais alguém estava incomodado com aquela situação. Se houvesse mais alguém como eu imaginava, eu os convidaria a ir convocaria a ir comigo ao ponto de apoio para falarmos juntos sobre a nossa causa e dizer que aquela situação não era admissível. Juntos então exigiríamos que o silêncio fosse respeitado. Afinal de contas aquele era um espaço coletivo voltado para a leitura e o silêncio. Pensei na confusão que isso poderia provocar e desisti.

Ainda ouvindo as gargalhadas, considerei outra saída para voltar a ter o desejado silêncio no meu andar da biblioteca. Eu poderia me levantar e formalizar uma reclamação junto à direção. Ali eu relataria a situação em que se encontrava o andar, falaria do pouco caso dos funcionários em relação ao ambiente e exigiria providências para uma solução imediata. Pensei nas próximas vezes em que estaria ali, junto com aqueles mesmos funcionários, e nos sentimentos pouco amigáveis que poderiam passar a nutrir por mim... Desisti.

Restou-me uma saída. Levantei e fui até lá.

- Boa tarde - eu disse.
- ...
- Desculpa incomodar, mas você poderia falar um pouco mais baixo. É que tá difícil ler aqui do lado (com esse barulho).
- Ah... sim... tá... Desculpa, viu?

Voltei à minha escrivaninha e no caminho de volta algumas das frontes antes baixas se ergueram e fui agraciado e agradecido com sorrisos e maneios de cabeça silencioso.

Sentei e curti dez minutos de silêncio, até que o volume das conversas do ponto de apoio voltaram quase à mesma marca de decibéis. Esperei que mais alguém se levantasse, mas todos ficaram sentados enquanto o ponto de apoio continuava a conversar (e gargalhar). Quase uma hora depois, terminado o assunto, o ponto de apoio finalmente silenciou - como todos os demais que estávamos no segundo andar da biblioteca havíamos feito antes.

12 agosto 2011

Às 5h30min


Às 5h30min as nuvens cor de chumbo deixam passar por entre suas frestas graciosos raios prateados de sol, enquanto no horizonte o céu plúmbico contrasta com o mar verde musgo e as areias amarelas em um cenário majestoso. 

Às 5h30min os bem-te-vis cantam alto, de peito cheio, uma canção de bom dia. Um aqui, outro ali, vão-se falando e cumprimentando, a desejar um dia repleto de alegria. Bem-nos-vêem eles do alto de suas árvores frondosas.

Às 5h30min as folhas vermelho-alaranjadas das castanholeiras ganham tons vivos e se destacam das copas verde-escuras que crescem umas sobre as outras em muitos andares. Algumas delas, dever cumprido, logo estarão no chão, mas outras ainda oferecerão sua sombra por mais alguns dias.

Às 5h30min as pessoas parecem mais simpáticas e até são dadas aos antigos cumprimentos. Acenos discretos de cabeça, mãos que sinalizam, olhares que se procuram e bons-dias sussurrados ou sonoros parecem revelar um incontido anseio por partilha e identidade; antes que a multidão se faça e a impessoalidade se estabeleça.

Às 5h30min os vendedores de abacaxi ainda não chegaram e, infelizmente, o cheiro doce da fruta ainda não se espalhou pela rua. Mais tarde a carroça estacionada no acostamento passará todo o dia vendendo abacaxis recém-colhidos.

Às 5h30min o cheiro gostoso de pão já invadiu a praça convidando a quem passa a parar e se servir. Se a padaria não fosse a duas quadras, desviaria o curso da caminhada e compraria pão quentinho.

Às 5h30m ainda dá tempo de ser diferente e mudar os rumos da vida, por mais impossível que vá parecer mais tarde.

Às 5h30min o dia está cheio de esperança. Um dia inteiro que aguarda pela frente repleto de dores, mas também de alegrias e oportunidades.

Às 5h30min os olhos se abrem para a vida, que de forma surpreendente, recomeça todos os dias distribuindo a si mesma em formato de esperança, vestida de cores, perfumada de odores e ornada de sons. Às 5h30m.