06 outubro 2011

Na biblioteca


Gosto de ler. Nas últimas semanas tenho usufruído de boas horas de leitura na biblioteca da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Trata-se de um prédio grande de três pavimentos, com uma razoável área de leitura, bem conservado, não tão bem iluminado, mas limpo.

Depois de experimentar o térreo e o primeiro andar, refugiei-me várias vezes no segundo andar. Lá é possível usar umas escrivaninhas que têm espaço suficiente para espalhar alguns livros e privacidade para se concentrar nos estudos. Além disso, em obediência à lei do menor esforço, normalmente, ali a concorrência pelos locais de leitura é menor.

Em cada andar do edifício há uma espécie de ponto de apoio e esclarecimento aos usuários da biblioteca. Dois funcionários trabalham ali. Pelo que percebi, um deles tem a função de ajudar os alunos a encontrar as obras desejadas; o outro é responsável pela reposição dos livros às prateleiras corretas (algumas vezes no dia ele dirige um carrinho abarrotado de livros a devolver cada mestre ao seu lugar de descanso).

Por todo o salão de estudo há placas lembrando que o silêncio deve ser mantido. Sem dúvida, ali, o silêncio é necessário; não só pelo propósito do ambiente, como nas demais bibliotecas, mas ali especialmente porque o prédio e todo de concreto (paredes e pisos), criando um ambiente em que o som se propaga com bastante facilidade. Ao ponto de apoio cabe a responsabilidade de zelar pelo silêncio.

Um dia desses cheguei e me dirigi diretamente ao segundo andar, ao final do salão, à escrivaninha que fica próxima aos corredores de livros formado por prateleiras de aço. Nem cinco minutos se passaram e o silêncio do ambiente foi quebrado por uma gargalhada ruidosa, seguida de frases curtas, seguidas de novas gargalhadas, seguidas de... Bem, era possível distinguir duas, talvez três vozes que vinham da direção do ponto de apoio.

Esperei alguns minutos na esperança de que o silêncio voltaria a frequentar o lugar que lhe era tão pertinente. Não aconteceu. Gargalhadas seguiam-se a frases curtas, a que se seguiam novas gargalhadas. O que fazer quando aqueles que são investidos de autoridade e se tornam, em algum aspecto, responsáveis em zelar pelo bem estar das pessoas não cumprem o papel que lhes cabe?

Sentado ali, sem conseguir me concentrar, olhei em volta para ver se o incômodo era só meu ou se mais alguém também não conseguia ler com aquele barulho. Não foi animador. Todos pareciam bastante concentrados; alguns de cabeça baixa sobre os livros nem podiam ser vistos por trás das escrivaninhas. Ninguém parecia dar a mínima para a situação ali. Esperei mais alguns minutos e a conversa no ponto de apoio continuava um pouco mais animada.

Bem, eu poderia ficar quieto no meu canto e me esforçar um pouco mais para me concentrar na leitura. Quem sabe assim poderia me desligar daquela situação incômoda e mergulhar mais profundamente ainda em minhas leituras. Acho que alguns dos meus companheiros ali tomaram essa decisão. Afinal de contas não era eu o responsável por zelar pelo silêncio, embora o fim dele não estivesse ajudando em nada minha tarde de leitura.

Outra saída. Permanecer sentado, recorrer à minha formação cristã e, movido pela fé, orar a Deus pedindo que ele interviesse de uma forma que eu não saberia pedir para por fim àquela barulheira. Não sei dizer se algum dos meus companheiros de leitura naquela tarde fez isso, mas é possível que sim. Seria legítimo e para algumas pessoas uma saída que apazígua a alma à medida que a responsabilidade passa a ser de Deus; a vontade de Deus será realizada. Não encontrei fé apropriada para agir assim naquele momento.

Já irritado com o barulho, pensei na seguinte possibilidade: levantar e perguntar em voz alta se mais alguém estava incomodado com aquela situação. Se houvesse mais alguém como eu imaginava, eu os convidaria a ir convocaria a ir comigo ao ponto de apoio para falarmos juntos sobre a nossa causa e dizer que aquela situação não era admissível. Juntos então exigiríamos que o silêncio fosse respeitado. Afinal de contas aquele era um espaço coletivo voltado para a leitura e o silêncio. Pensei na confusão que isso poderia provocar e desisti.

Ainda ouvindo as gargalhadas, considerei outra saída para voltar a ter o desejado silêncio no meu andar da biblioteca. Eu poderia me levantar e formalizar uma reclamação junto à direção. Ali eu relataria a situação em que se encontrava o andar, falaria do pouco caso dos funcionários em relação ao ambiente e exigiria providências para uma solução imediata. Pensei nas próximas vezes em que estaria ali, junto com aqueles mesmos funcionários, e nos sentimentos pouco amigáveis que poderiam passar a nutrir por mim... Desisti.

Restou-me uma saída. Levantei e fui até lá.

- Boa tarde - eu disse.
- ...
- Desculpa incomodar, mas você poderia falar um pouco mais baixo. É que tá difícil ler aqui do lado (com esse barulho).
- Ah... sim... tá... Desculpa, viu?

Voltei à minha escrivaninha e no caminho de volta algumas das frontes antes baixas se ergueram e fui agraciado e agradecido com sorrisos e maneios de cabeça silencioso.

Sentei e curti dez minutos de silêncio, até que o volume das conversas do ponto de apoio voltaram quase à mesma marca de decibéis. Esperei que mais alguém se levantasse, mas todos ficaram sentados enquanto o ponto de apoio continuava a conversar (e gargalhar). Quase uma hora depois, terminado o assunto, o ponto de apoio finalmente silenciou - como todos os demais que estávamos no segundo andar da biblioteca havíamos feito antes.

12 agosto 2011

Às 5h30min


Às 5h30min as nuvens cor de chumbo deixam passar por entre suas frestas graciosos raios prateados de sol, enquanto no horizonte o céu plúmbico contrasta com o mar verde musgo e as areias amarelas em um cenário majestoso. 

Às 5h30min os bem-te-vis cantam alto, de peito cheio, uma canção de bom dia. Um aqui, outro ali, vão-se falando e cumprimentando, a desejar um dia repleto de alegria. Bem-nos-vêem eles do alto de suas árvores frondosas.

Às 5h30min as folhas vermelho-alaranjadas das castanholeiras ganham tons vivos e se destacam das copas verde-escuras que crescem umas sobre as outras em muitos andares. Algumas delas, dever cumprido, logo estarão no chão, mas outras ainda oferecerão sua sombra por mais alguns dias.

Às 5h30min as pessoas parecem mais simpáticas e até são dadas aos antigos cumprimentos. Acenos discretos de cabeça, mãos que sinalizam, olhares que se procuram e bons-dias sussurrados ou sonoros parecem revelar um incontido anseio por partilha e identidade; antes que a multidão se faça e a impessoalidade se estabeleça.

Às 5h30min os vendedores de abacaxi ainda não chegaram e, infelizmente, o cheiro doce da fruta ainda não se espalhou pela rua. Mais tarde a carroça estacionada no acostamento passará todo o dia vendendo abacaxis recém-colhidos.

Às 5h30min o cheiro gostoso de pão já invadiu a praça convidando a quem passa a parar e se servir. Se a padaria não fosse a duas quadras, desviaria o curso da caminhada e compraria pão quentinho.

Às 5h30m ainda dá tempo de ser diferente e mudar os rumos da vida, por mais impossível que vá parecer mais tarde.

Às 5h30min o dia está cheio de esperança. Um dia inteiro que aguarda pela frente repleto de dores, mas também de alegrias e oportunidades.

Às 5h30min os olhos se abrem para a vida, que de forma surpreendente, recomeça todos os dias distribuindo a si mesma em formato de esperança, vestida de cores, perfumada de odores e ornada de sons. Às 5h30m.

22 julho 2011

Só se algo estiver errado



CONTA-SE A HISTÓRIA de um meninozinho que não falou até os cinco anos de idade. Os pais, morrendo de preocupação, levaram-no a inúmeros especialistas, tentando descobrir porque ele nunca dizia nada. Então, certo dia, sentado à mesa para tomar o café da manhã, observou a mãe colocar uma torrada escura no prato dele. O garoto olhou para a torrada, depois para a mãe, e disse clara e distintamente:
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- A torrada está queimada!
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A mãe ficou extasiada. Após recobrar-se do choque provocado pela tão esperada explosão de linguagem, perguntou ao filhinho:
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- Já que você pode falar tão bem, por que não falou até hoje?
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- Bem, explicou ele deliberadamente -, estava tudo certo até agora.
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Embora engraçada, essa história infelizmente me lembra de casamentos nos quais os cônjuges quase só conversam quando há algo errado. (...) São presas do mito de que os cônjuges precisam se concentrar nos defeitos de casamento para poderem eliminá-los.


* O Mito do Casamento Perfeito - Bárbara R. Chesser